O vento. Sempre o vento teimoso
batendo na face dele ou partindo os cabelos dela. Sempre o vento insistente.
Eles estavam sentados naquela varanda do restaurante do hotel já
fazia um bom tempo. Uma varanda aberta para o mar e o vento sempre a brincar
com os assuntos tão importantes que eles tinham a trocar e decidir.
E o mercedes esporte? —
perguntou ela com indiferença.
Eu já tenho dois
carros, ficar com mais outro vai dar muito trabalho — respondeu ele
preocupado.
A chegada do garçom
com os petiscos cheirosos e as bebidas interropeu a conversa dos dois.
O rapaz, novo e sorridente, depois de servi-lhes a cerveja e o suco de
laranja, fez um meneio com a cabeça e se afastou. Ela olhou
vagamente para o céu sem ligar para o que ele falava. De repente
tomou consciência da pergunta repetida que ele fazia:
E o computador? Você
nunca aprendeu mesmo, nunca teve paciência. E o computador?
Hein?
E o computador? Você
quer ficar com todo o sistema?
Como você achar melhor
— disse ela sem muito interesse.
Para despertar sua motivação
ele resolveu tocar no assunto soltando uma bomba com uma simples pergunta.
E as crianças? Que
vamos fazer com as crianças?
As crianças?... respondeu
ela com uma outra pergunta.
Sim. E as crianças?
O garçom chegou mais
uma vez e a conversa foi interrompida. O rapaz gentil perguntou se estava
tudo bem. Delicadamente substituiu o cinzeiro com uma ponta de cigarro
por um outro cinzeiro limpo e cheiroso. Afastou-se mais uma vez com o ensaiado
meneio de cabeça, sabendo que estava sendo demais se ficasse perto
da mesa. Ela ajeitou os cabelos que o vento, de novo o vento, insistia
em partir-lhe ao meio. Ele se pegou olhando para o verde do mar de um resto
de tarde ensolarada. Ficaram calados por algum tempo, talvez considerando
o porquê da necessidade dos dois terem que ficar juntos para decidir
uma coisa que já estava acabada. Dormiam separados há mais
de um ano. Já não tinham uma boa comunicação
há bastante tempo. O que estavam tentando salvar em toda a história?
Para quebrar o silêncio ela perguntou meio engasgada:
E as crianças?
Depois a gente discute esse
assunto — respondeu ele sem pensar.
E o apartamento?
Você pode ficar com
o apartamento. Eu me mudo para casa de minha mãe. Ela está
se sentindo muito só ultimamente. Assim fica melhor. Quer ficar
também com o mercerdes? Precisamos decidir isso.
Não faz a menor diferença
para mim. O que você decidir está bom.Ando meio cansada de
dirigir nesse trânsito louco. Se eu ficar sem carro, vai ser até
melhor.
Já tenho dois, você
sabe disso. Você não tem nenhum.
Sempre tomo táxi,
você sabe disso.
Ele debruçou seus
olhos verdes no verde das ondas distantes e se perdeu em pensamentos, lembrando
como a recepcionista do hotel foi tão insdicreta quando eles pediram
para trocar para um quarto com duas cama. Ainda lembrando do olhar
matreiro e do sorrisinho sarcástico e da pergunta sem cabimento:
Tem certeza que não
querem ficar no quarto com cama de casal?
O vento tornou a bater em
lufadas incertas, desta vez quente e desordenado. Ela falou sem nenhum
pensar:
O diamante. O anel com o
diamante que você me prometeu há tantos anos... A promessa
ainda está de pé?
Lógico que sim. É
que nunca encontro tempo para escolher o que você gosta. Prometi
e vou cumprir. Talvez na minha próxima viagem a Nova Iorque. Vou
comprar um daqueles grandões da Rua 47 ou da Quinta Avenida.
Hum...
O celular também deixo
com você... Você precisa mais do que eu e tem que saber das
andanças das crianças.
E as crianças?... — ela
falou quase sem querer.
As ações da Bolsa
também ficam com você. Foi sua idéia investir
aquele montão de dinheiro quando estavam a bom preço.
Podemos dividir meio a meio. Você
vendeu a casa do Guarujá para isso e acho justo que leve uma parte.
Você gostava tanto da casa e eu fiz sua cabeça para vendê-la.
Fui um tanto egoísta, bem sei... Se bem que se vendêssemos
as ações agora poderíamos comprar três ou quatro
casas talvez melhores e bem mais localizadas que aquela e, garanto que,
ainda sobrava dinheiro.
O que você achar melhor.
Na curta resposta ela notou
a mesma indiferença da noite anterior estampada na distraída
face dele. O mesmo olhar desatento, de quando ela saiu do banho nuinha
mostrando todo o corpo depilado que tanto ele amava no passado. Quis continuar
falando, mas o vento, o insistente o vento, trouxe um pouco de poeira que
a fez desviar o rosto e abanar o ar com a palma da mão.
Vamos comer agora ou mais
tarde? - perguntou ele para quebrar o silêncio.
Não estou com fome.
Vou pedir mais uma cerveja.
Quero água.
Não quer outro suco?
A laranja está meio
azeda. Quero uma água mineral sem gás.
E os CDs? Você fica
com os de Caetano.
Detesto o Chico.
Fique com todos os vídeos.
Deixe os meus livros.
Ele chamou o graçom
e pediu as bebidas. Bocejou sem cerimônias mostrando cansaço.
Podemos tirar uma soneca
antes do jantar.
Boa idéia.
Mas o vento, mais uma vez
o vento, bateu forte e carregou todos os planos que os dois faziam e confundiu
as perguntas e respostas de um e de outro. No meio do emaranhado os dois
falaram e responderam inconscientemente:
E as crianças?
Disso a gente fala depois.
Fernando Tanajura Menezes