A VIRGEM DA JURÉIA

Apenas a água do rio e os raios do sol tinham permissão para percorrerem aquelas curvas sinuosas, selvagens, cheia de abruptos caminhos, que escondiam mistérios ainda não revelados. Seus olhos exibiam um brilho intenso e faiscavam como duas tochas na noite enluarada, fazendo par com aquelas fileira perfeita de dentes esmaltados, que sorriam à toda hora. Talvez esse sorriso fosse destinado ao seu conquistador, que lhe arrebataria o virginal império, a exemplo do que fizeram Pizarro e Cortês em outras terras de América.

Ora, o sábio pajé, depositário da milenar cultura carijó, não afiançara que a intocada filha do moribixaba seria conquistada por um belo e robusto navegante, que viria das distantes plagas que se escondem detrás do oceano? Todos os dias, sentada na beira da praia, ela lançava o olhar esperançoso sobre as águas inquietas e se deixava suspirar.

E assim se passavam os dias, e os meses, e os anos. O peso do tempo não a atingia, antes aprimorava sua beleza privilegiada. Nada a fazia deixar de cismar, ali, diante do oceano, encostada na árvore que lhe oferecia refrescante sombra. Ela era a predestinada. Tinha de cumprir seu destino, conforme o pajé lera nas estrelas. Não poderia ser de nenhum dos varões da tribo, todos guerreiros mui formosos. Seu corpo, seus lábios, seus carinhos estavam desde sempre reservados ao destemido conquistador branco. Tudo era uma questão de tempo.

Porangaba era seu nome. Beleza e formosura, como lhe dizia o velho pai, envaidecido com os encantos da filha. Desde cedo sempre fora a mais bela dentre todas as meninas daquelas matas. Alguns guerreiros, pretendendo contrariar o que os astros prenunciaram, muitas vezes aproximavam-se da jovem e tentavam seduzi-la. Mas Porangaba não lhes retribuía. Não compartilhava com nenhum o amor reservado ao seu eleito. Frustrados em suas tentativas, muitos lhe dirigiam insultos ferinos, vociferando que a virgem terminaria seus dias solitária, sem ao menos um velho que lhe estendesse a mão para caminhar.

 

Vinte e uma primavera transcorreram. O viço, o frescor da juventude expressavam-se em seu corpo com generosidade. A notícia da beleza daquela virgem corria pelos sertões da Juréia. Em todos os pontos da mata, o comentário era um só: existiria beleza mais perfeita que a de Porangaba, a encantadora virgem apadrinhada pelos astros?

Na linha do horizonte, sob um céu claro e azulado, a jovem distinguiu uma pequena embarcação. Ao chegar próxima da arrebentação, verificou, admirada, tratar-se de uma nau de grandes proporções. Percebeu no convés certo alvoroço entre os homens e teve a impressão que a estavam observando. Ficou receosa quando desceram à praia e olharam para todos os lados, perscrutando as imediações. Encostada na árvore, ela sentiu vontade de correr à sua tribo para avisar sobre a chegada daqueles brancos; mas seu corpo parecia paralisado.

Notou que, entre eles, destacava-se um homem mui alto, ainda jovem, de farta cabeleira loura. Trajava-se com elegância e o sol, incidindo nos medalhões que trazia ao peito, davam a impressão que seu corpo irradiava intensa luz. Porangaba, quase em transe, comparou-o a um deus. Até aquele momento nunca vira homem tão belo e que fulgurasse como o sol. A profecia começava a se cumprir. Após tantos anos, chegara afinal o dia tão aguardado. Ela afastou o receio que insistia em dominá-la e esboçou um sorriso, enquanto ia ao encontro do seu eleito.

Ao verem a jovem, totalmente nua e com um alegre sorriso nos lábios, os homens se inquietaram. Há muitos meses, solitários no mar, não viam alguém do sexo oposto, ainda mais com os atributos íntimos mostrados tão generosamente. Os olhos daqueles marujos se encheram de desejo e alguns tentaram envolver em seus braços o corpo sedutor da virgem, mas logo estancaram assim que um brado do homem louro os repreendeu severamente. Ninguém desrespeitava as ordens do capitão.

Porangaba postou-se à frente do enviado dos astros e fez longa reverência, inteiramente dominada pela emoção. O homem surpreendeu-se com tanta beleza. Era a jovem mais linda que conhecera. Em suas viagens pelos quatro mares, jamais encontrara outra que se lhe igualasse.

Ordenando que todos se afastassem, pousou os lábios naquela boca de contornos esmerados e, beijando-a, julgou ter lhe roubado um beijo, sem suspeitar que esse beijo fora como um tributo da virgem ao seu senhor. Levando-a gentilmente pela mão, o homem louro penetrou no interior da selva e, como um navegante ávido por novas terras, desvendou os mistérios desde há muito reservados.

 

Olhando para o mar, ela acompanha a nau que lentamente se distancia da praia. No convés, o homem louro lhe acena um adeus, sem perceber as lágrimas que escorrem dos olhos daquela a quem os astros ludibriaram.

Roberto Fortes


 
 
 
 

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