O eterno malandro

      Como cheirava o tal Josias. Perfume de final de estoque. Mais barato. O perfume chegava antes. Depois chegava o próprio. O cabelo era empastado. Puxado mais do lado direito que do esquerdo. Mas por incrível que pareça a sobrancelha esquerda é que era mais alta. A direita continuava até o nariz. Fazia uma curva no final de modo que o nariz adquiria vida própria. Cheirava o perfume e as mulheres. Quando a mulher cheirava bem, os lábios de Josias se juntavam num peculiar beicinho, que aliás caía muito bem com a gola engomada da camisa.
      O terno de Josias era sempre bem cauteloso. Acompanhava um passo, esperava, ajeitava-se, acompanhava o outro. E mais aquele. E se ajeitava de novo. “Nasceram um para o outro”, diziam.
      O brilho de Josias, se não existia nos olhos, existia nos sapatos. Pulavam bueiros e poças com maestria. E com maestria vivia Josias. Conquistador se dizia, mas mulher alguma comia.
       Josias era filho de mãe solteira. Foi parido numa casinha de periferia onde funcionava um bordelzinho. Quase morreu no parto, mas lembrou que sua vida poderia valer mais e sobreviveu. Foi criado pela mulherada lá do bordel mesmo, que a mãe sozinha não dava conta. Tinha muitos clientes já que era ajeitada de corpo. Mesmo depois da gravidez ainda fazia bonito. Quando a mãe atendia, Josias ficava no quintal ou dormindo no quartinho dos fundos. E assim ele cresceu. No meio das mulheres, dos homens que visitavam as mulheres e das mulheres dos homens que faziam passeata na porta da casa das mulheres de Josias. Ele nem ligava. Ligava mais é para os agrados que recebia dos clientes. Perfumes, ternos que não serviam mais, bengalas e charutos.  Gostava dos ternos brancos e queria ser enterrado com um deles.
        Apesar de morar lá, no meio das mulheres da vida, Josias, aos vinte e poucos anos era ainda virgem. Não poderia cometer o pecado do incesto (era muito religioso) deitando-se com qualquer uma daquelas mulheres que o criaram. Não que elas pensassem assim, mas respeitavam sua obediência às suas convicções. E, fora daquela casinha, era o filho das prostitutas, ninguém sabia de qual, mas pouco interessava. Mas ele, na sua grandiosidade de quem tudo aprendeu com mulheres, julgava-se irresistível. Devastador de corações. Comprava pão como que beijando os pés de uma donzela.
        Eis que um dia o jovem Josias estava caminhando, num final de tarde de temperatura amena e poucos mosquitos, rumo a lugar nenhum. Não trabalhava. Não tinha expediente. Entre seu centésimo passo e o centésimo primeiro, avista uma mulher, mais velha, de seios generosos e ancas fartas. Usava um vestido vermelho, da mesma vermelhidão da rosa que Josias carregava em seu bolso. E ele desejou aquela mulher com os olhos, com a boca, sentiu-se inebriado por seu perfume. E sentiu que seria com ela a sua primeira vez. Mas não sabia que seria também a última.
A dona, na sua carência de mulher madura, retribuiu o olhar de Josias com um sorriso doce. E já era muito, já que a tal era mulher do capitão, tinha uma imagem a zelar. Mas mais ainda, tinha um desejo a concretizar. E chamou Josias num canto.
— Meu marido está viajando. A trabalho. Uma rebelião lá em Vinhas.
Josias entendeu o chamado e seguiu a senhora de vermelho. Vigiava cada passo dela dando o seu no mesmo ritmo. Chegaram na casa vazia do capitão. Foram deixando suas roupas pelo caminho, formando um corredor vermelho e branco, que seria depois preenchido com o sangue de Josias. E se amaram. Ele pela primeira vez, ela pela melhor. A mais pecaminosa. A mais bonita. A mais isenta de culpa. Não na verdade. Rosa, assim se chamava, quis guardar para ela aquele momento. Somente para ela. Depois de esbaldar-se de prazer, cravou-lhe no peito uma facada. Ele não sentiu dor. Sorriu, como que entregando a ela sua vida como agradecimento. Fora feliz como nunca. Conquistara aquela mulher que limpava seu sangue de maneira tão delicada.
        Quando encontraram o corpo de Josias, este estava em um terno branco, deitado cuidadosamente numa esquina. E como sorria, ninguém indagou o ocorrido. Fora enterrado na beira da estrada, pois no cemitério não havia vagas para filho de prostitutas. E quem passa pela estrada, sente o seu perfume barato, de final de estoque, de um aroma quase agradável de sangue e rosas.

Adriana Brunstein


 
 
 
 

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