Vozes ao redor, assuntos
variando de grupo para grupo, aquele ouvir sem compromisso, aquele sol
mandado por Seus, dias de temperatura e climas excelentes, nuvens altas
e brancas, numa missão de paz longe de todas as guerras do mundo,
um fundo azul de céu que nos relembra o céu da infância
e da inocência, pássaros voando, contrastando, vivendo com
o único compromisso da sobrevivência — tudo ao meu redor como
cenário de um filme.
Abro os olhos e sento-me
no momento em que Eva, com toda a sua saúde dentro de sua tanga,
salta em um belo mergulho e espirra-me pingos de lágrimas. Tenho
dificuldade em enxergar por causa do sol. Coloco meus óculos escuros
e olho o pessoal. Montículos de pessoas em cada canto, sob guarda-sóis
coloridos, conversam sobre nada e bebericam caipirinhas. Crianças
correm pelos ladrilhos lisos e molhados, numa aventura perigosa.
Cada grupo faz comentários
sobre o outro grupo, em azedas censuras e críticas maldosas. Ouço
Eva, do meu próprio grupo:
— Olha, aquela ali, parece
galinha quando cai a oveira. Meus olhos procuram a tal galinha de oveira
caída. É realmente uma mulher de bunda caída. A que
ouviu, sorri, mais calada e mais maldosa. É feliz a exibida, porque
é, dizem, a mulher de um tal de luxo, com aprovação
do marido e reprovação dos filhos. Todos a tem como mulher
boa por causa das atenções do tal de luxo. Mas é feia.
Tipo mulher cascuda. É verdade que apesar de ser professora, tem
o traseiro muito grande. O apesar é porque professora não
precisa de traseiro, visto que tem outro instrumento de trabalho. Enfim,
a tal, está bem realizada com o dela.
Os homens, noivos ou maridos,
mais maridos que noivos (os noivos disfarçam), saem de seus grupos
e vão bebericar, ou melhor, checar as fêmeas de outros grupos,
disfarçando em simpáticas amizades.
As esposas, como eu própria,
seguem com os olhos, atrás de óculos escuros, a desgraça
do vexame.
Ao sair da piscina, passa-se
ao bar, feio, sem sofisticação, sujo, com cadeiras desconfortáveis
que tombam fáceis, feitas para chatear, e moscas que vêm fazer
cócegas nas pernas nuas. Mas, o pessoal fica mesmo é no balcão,
com amigos que não são amigos, bebidas na mão e refrigerantes
para as crianças.
Resolvo fazer um passeio
pelo verde das árvores. Entre elas, muitas mangueiras e um macaco
preso que alguns jovens resolveram azucrinar. O macaquinho, sem opção
de fuga ou de ataque, fica nervoso, e os tais jovens se divertem. Sinto-me
mal pela minha espécie.
Mais adiante, um homenzinho,
sentado juntamente com o filho molecote, come calado a sua marmitinha de
arroz, feijão, farinha e torresmo. Não posso olhar para eles,
mas posso senti-los. O mundo deles não é esse, de dentro
do portãozinho de entrada da piscina. Não precisam se preocupar
com mulheres de oveiras caídas, ou com quem tem mais do que tem.
O homenzinho se realiza comendo sua marmita, executando seu trabalho com
suas próprias mãos.
As nuvens brancas, compactas,
que brincam inocentemente de apostar corridas, isso sim, pertence ao homenzinho,
é dele esse céu, como é dele a sombra da mangueira,
sob a qual ele almoça. É dele ainda a brisa que passa refrescando
o parque, como é dele, que pode ser contemplativo, o rumorejar desse
fio de água corrente, que produz um som em surdina, sobre as pedrinhas
lavadas que forram o leito. Ninguém mais ouve isso, como não
houve a voz da sensatez.
Volto para o povo e vamos
para a outra etapa, o almoço. Todos estão devidamente tocados
pelo álcool, e se sentem bem maiores, tão grandes como nunca
chegarão a ser. Eu ali à parte, de maiô inteiro, porque
não sou um deles, sinto vontade de estar sozinha em minha casa e
reciclar-me.
Djanira Pio