Eram encontros fugazes — intensos, apesar de periódicos. Uma noite apenas, mas que valeria por muitas. O daquela noite não foi nada diferente: igual a todos os outros anteriores. O local era ermo — uma casa abandonada por trás de um cemitério onde há muito tempo ninguém mais se enterrava. Muito raramente, alguém passava com medo por aquelas paragens. A casa, diziam, mal-assombrada. Portas que rangiam ao mais leve toque do vento, paredes cinzas descascadas pelo tempo, janelas que não mais se abriam, vidros estilhaçados, persianas quebradas, teto torto, ambiente poeirento e teias de aranhas que desfiavam-se de parede a parede. Luz, nem pensar. Até a luz do dia não se atrevia a penetrar na mansão. Mas o encontro era à noite e quem iria se importar com isso? Uma noite de lua cheia brilhante, coberta por borrões de nuvens grossas que espalhavam sombras assustadoras aqui e ali.
Primeiro chegou uma motocicleta de mais de duzentas cilindradas equipada com os inumeráveis luzentes metais. Outra motocicleta chegou logo em seguida como o combinado. Tudo estava dentro dos conformes pré-estabelecidos. Os roncos dos motores pararam e deram lugar ao completo silêncio. Para o encontro, existiam regras: nada de alhos ou crucifixos. Orações, somente as profanas que enxotassem tudo o que fosse sagrado. Capas volantes pretas eram permitidas. Anéis encorpados em todos os dedos podiam. Caveiras, chicotes, algemas e correntes eram obrigatórios.
Entraram de soslaio sem que ninguém percebesse. A obliqüidade era necessária para não chamar atenção. Não se sabia exatamente o porquê de tanto cuidado, mas sabiam que fazia parte das regras: — todo o cuidado é pouco —. Também não havia ninguém por perto para notar qualquer coisa e, se algum deslize houvesse, nada corria perigo. Nem os defuntos do cemitério vizinho, que gemiam de período em período, se levantariam para assistir a inusitada cena. Tudo era macabro. Em poucos minutos já sentiam em si os dentes aumentarem, a saliva grossa a empastar-se nas bocas, as línguas sedentas de orgasmos desenfreados. As capas farfalharam na escuridão espantando os ratos que teimavam a correr de um lado para o outro. Baratas voaram assustadas com as inesperadas visitas. Uma aranha pousou numa das cabeças que foi logo acariciada com lassidão. Não tardou a ouvir-se gemidos sofredores, primeiro espaçados, depois mais constantes com respirações reprimidas. Uma corrente caiu fazendo um barulho surdo no assoalho gasto de tábua corrida. Mais um gemido solto e logo em seguida a contenção de todo o ar nos pulmões. Um chicote estalou no ar liberando um grito louco dentro da noite.
Abraçaram-se com sofreguidão. Corpo contra corpo. Mãos que apertavam as carnes com egoísmo. Unhas afiadas a cortarem as peles sem destino. Gemidos sufocados em profusão. As línguas deslizaram nos pescoços nus como lâminas afiadas; primeiro com toque leves, depois com pressões afugentadas como que quisessem lixar o tecido macio. O ais e os uis se ouviram imediatamente por toda casa e pela noite que espreitava de fora. Ouviu-se um uivo forte que, certamente, afugentaria qualquer paquete atracado se houvesse um porto ali por cerca. Não ligaram para este mundo: entregaram-se totalmente sem nenhum egoísmo. As carícias se embrenhavam nos colos aveludados e desciam através dos seios intumescidos para se espalhar pelos ventres abaixo. As peles se esfolavam com os movimentos sincopados ora contra a parede, ora contra o chão esfarpado. Os urros e sussurros se fizeram mais sônicos e, se algum mortal por ali passasse, na certa, sentiria a onda vibrante da excitação trinando no ar. Os morcegos voaram em dasalinho, não sei se alarmados com a cena ou, se mesmo, interessados em se alinhar aos corpos presentes. Quando os gritos e gemidos já se faziam incontroláveis, viu-se um eclodir de sangue a escorregar por suas coxas. Era sangue, muito sangue aos borbotões para servir de banquete a sedentos corpos.
Assim se repetiu tudo mais uma vez, depois por muitas outras quando o prazer chegava à sua totalidade. Ora dentro de um caixão roxo de defunto já maltratado por tanto uso, ora em cima de uma lápide que trouxeram com cuidado do cemitério vizinho. O caixão e a laje tumular ficavam úmidos das secreções e dos suores expelidos dos corpos exaustos. Escanchavam-se entre cadeiras quebradas, em mesa decaída pelo desuso, pelo chão cheio de pó e cordas; agarravam-se a correntes e apetrechos metálicos desconhecidos. Aos gemidos, misturavam-se os suplicantes pedidos famintos e insaciáveis nem sei mesmo de quê, enquanto mais sangue jorrava em jatos impetuosos.
Com os corpos exauridos, viram que o dia punha em perigo o amanhecer. Sentiram pena de que tudo houvesse chegado ao fim. O final também fazia parte do regulamento e a luz do sol não tardaria a ameaçar os seus medos. Ainda na escuridão, puderam ver o calendário; contaram os dias, vinte e oito ao todo, reconfirmaram o período e o novo encontro. Revisaram as regras já conhecidas. Sem entrar em pormenores, despediram-se com poucas palavras:
— Nos vemos no mês que vem.
Fernando Tanajura Menezes