A estupidez do gnomo

               Apareceu outro gnomo no jardim.
               Estão vindo mais cedo este ano. Nem esperaram o início da primavera. As flores ainda não despertaram de suas camas coloridas.
               Ele está encarapitado no pontal da varanda e seu olhar me interroga.
               Que posso responder? É claro que está tudo bem. Porque não estaria?
               Não acredita em mim e seu sorriso sardônico me aborrece.
               Por que os gnomos são tão sarcásticos?
               Estou dizendo que sou feliz e tenho certeza. Por que mentiria aos pequenos?
               O marido se foi, é bem verdade, mas de que me servia um beberrão, um pobre fracassado que só fazia dormir e não sabia cantar uma canção mais doce?
               É bem melhor sem ele.
               O maldito  não acredita. Deve estar pensando nos  meninos.
               Mas se os filhos se foram,  vou reclamar? O caminho da vida é este mesmo. Queria que guardasse meus filhos debaixo das saias como uma ostra egoísta impedindo seu vôo? As asas estão abertas longe de mim, mas ouço seu rufar macio nas noites silenciosas. E estou feliz por eles.
               O gnomo gargalhou.
               Está pensando no tempo que me arrebata? Tudo tem seu momento. Não posso ter mais a beleza antiga. Estas rugas são vida e o cabelo tão ralo já nem me aborrece mais. Encontrei uma paz neste outono tranqüilo.
               Ele me olhou malicioso.
               Quer saber do que mais? O tempo que passou levou muito de mim, mas me deixou inteira. Estou aqui ainda, no mesmo lugar.
               Parei estarrecida.
               O gnomo caiu, saltou, deu piruetas e se encarapitou de novo no banquinho cantarolando com a voz anasalada:
               “No mesmo lugar... no mesmo lugar...”
               Matei mais um gnomo, devo confessar.
               Eu sei que sou feliz.
               Gnomos são estúpidos.
               Mas é melhor não deixar mais nenhum pra encarar.

Maria Helena Bandeira

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