Durante os primeiros 10 anos foi tudo normal, natural como devia ser na carreira que havia abraçado. A mente brilhante, cheia de idéias, foi-lhe uma alavanca veloz e rendosa.
Apesar do sucesso rápido e dos salários cada vez mais polpudos, vivia num ninho de cobras. Olhavam-se todos de soslaio nos escritórios onde trabalhara – e foram muitos, passou pelas melhores agências desde o início. Acostumou-se com a fogueira de vaidades comum a esse tipo de gente, principalmente nos últimos tempos. Pareciam não ter escrúpulos nem nas tripas.
Até aqui, nada digno de nota. O problema começou poucos anos antes de se aposentar, por invalidez, aos 55. A esposa percebeu que havia algo anormal durante uma relação sexual – na hora do orgasmo, para sermos mais exatos. Quando ela teve o espasmo final e gritou: – Vem!, Alfredo, esse era seu nome, apertou-a com músculos de aço e sussurrou: – Vem pra Caixa você também! – e completou o clímax.
Valéria, a esposa, não entendeu bem, porque ainda estava naquele elã das contrações internas pós-orgasmo. Chegou mesmo a achar que havia sido algum colapso mental no auge na excitação.
No sábado seguinte – sim, a coisa só rolava aos sábados nesta época – foi a mesma coisa. Ele a mandou ir pra Caixa novamente na hora agá. E assim foi durante seis meses. Valéria não reclamava, pois os orgasmos ficavam cada vez mais intensos e longos enquanto ela repetia o slogan uma, duas, três, sabe-se lá quantas vezes. Valéria sentia-se rejuvenescida. Até a freqüência aumentara – agora era às segundas, quartas, sextas, e também no sábado. Domingo não, que o santo é de barro.
Foi num outubro, na hora do café da manhã, que a coisa começou a piorar. Ela estava preparando o desjejum, quando ele cantarolou batendo os dedos na mesa: – É hora do lanche, que hora tão feliz, queremos biscoitos São Luis! Valéria riu ao se lembrar do velho "reclame" dos tempos quando se conheceram, mas estranhou o olhar fixo de Alfredo, que nem piscava. Serviu-lhe o café como fazia todas as manhãs.
– Na hora de tomar café,
é Café Seleto, que a mamãe prepara, com todo
carinho! – e tomou o café ainda sem piscar.
– Deve ser uma crise de
nostalgia dele, coitado... – pensou. Afinal, são tantos anos
fazendo propaganda.
– Você devia tirar
umas férias, querido! A gente podia viajar, e...
– Seu Cabral ia navegando,
quando alguém logo foi gritando: – Terra à vista! Foi
descoberto o Brasil. A turma gritava, bem-vindo, seu Cabral! Varig,
Varig, Varig!
Continuou assim por um bom tempo. Como acontecia sempre, saía como de um transe, sem se lembrar de nada. Beijava a esposa e ia trabalhar. Valéria ficava preocupava, a bem dizer, mas gostava de ir à Caixa naquelas noites alternadas, e considerou que era mania da idade e por força do trabalho dele. E em time que está ganhando não se mexe.
Naquela manhã, depois de alguns slogans, ele se levantou e foi trabalhar. Chegou de volta lá pelas oito da noite. Tomou um banho e: - Vem pra Caixa você também! Nem jantou. Às dez horas já estava no terceiro sono. Foram três idas à Caixa naquela noite.
Devia ser umas onze e pouco quando o telefone tocou. Era o Silas, colega do escritório e amigo da família.
– Como ele está? Recebeu
bem a notícia?
– Que notícia? Não
me deixa preocupada? Que notícia?
– Ele não te contou?
– Contou o quê? Fala
de uma vez!
– Ele foi demitido! Estou
preocupado!
– Demitido? Mas como? Por
que? Ele anda esquisito, não fala mais nada do escritório.
– Pois é, ele anda
esquisito. Fica sentado no escritório balbuciando e cantarolando
o tempo inteiro. Passou a semana toda assim, parece que pirou. Hoje
o diretor perdeu a paciência. Ele nem ligou, saiu cantarolando
como se não tivesse acontecido nada. Tomou Doril e sumiu.
E antes de sair ainda passou a mão na cara da secretária
do chefe e disse: – Sua pele ficará maravilhosa, macia, suave,
sedosa, com o Creme de Alface Brilhante! A moça ficou furiosa
e disse que vai abrir processo por perdas e danos, com agravante de
calúnia.
Valéria tentou acordá-lo
com cuidado: –
– Querido, você não
está passando bem?
– Passa Gelol que passa!
- respondeu sem acordar direito.
– Alfredo, acorda! O que
está acontecendo com você?
Ele se sentou na cama feito
um robô, e começou:
– Dia sim, dia não,
Ultragaz no portão! Para velho, moço, menino, Magnésia
São Pelegrino! Máxima quilometragem por cruzeiro, pneus
Firestone! Com Regulador Xavier – um, dois – vive melhor a mulher!
Se é Bayer é bom! Ao comprar insista: eu quero lençóis
Santista! Contra tosse, bronquite, rouquidão, tome Xarope São
João!
Entrou numa síncope
interminável. Babava e gesticulava muito. Valéria chamou
uma ambulância. Ele seguiu os enfermeiros sem reclamar. Apenas
cantarolava:
– Lever, o sabonete das
estrelas! A mais bela moldura para seu sorriso, batom Coty! Faz em
poucos minutos o trabalho de muitas horas, aspiradores Arno! Nescau
tem gosto de festa, dá mais vontade de brincar. Nescau dá
força e energia...
Há cinco anos Alfredo foi para a clínica de repouso. É o mais popular entre os internos, sempre rodeado de colegas a cantarolar velhos slogans.
Valéria não
quis ir morar com a filha. Vive reclusa e conformada. Traz no rosto
uma aparência lúcida e tranqüila. Os vizinhos do
prédio onde mora dizem que ela não bate bem, mas ela
raramente incomoda, a não ser nas noites de sábado, pouco
antes da meia-noite, quando ouvem a ladainha de sempre vazando pelas
paredes:
– Vem pra Caixa você
também!