Luzia atendeu o telefone e uma voz que já conhecia, deixou-a
temerosa. Sim, porque ela sabia que aquela não era uma ligação
comum e nem traria alegrias
ou boas novas.
Pela voz identificou logo de quem se tratava e, pelo modo arrogante
de falar, não seria de esperar que o diálogo fluísse
normal. Portanto, foi quase um monólogo, uma vez que ela mostrou-se
distante, impessoal. Tinha receio de responder àquela voz.
Do outro lado da linha a voz tinha uma discreta agressividade, o que
a surpreendeu. Esperava uma explosão colérica, como era do
feitio dele, em face da atitude que ela havia tomado e que de antemão
sabia que o desagradaria. Fizera de propósito, para irritá-lo
mesmo, pois estava farta do excesso de vaidade dele, daquele permanente
ar de superioridade que reduzia os outros a seres insignificantes.
Ela ouvia em silêncio as ponderações dele que não
eram nada convincentes.
Havia algo de falso no que ele dizia. De repente, escutou: " É
melhor não nos vermos mais!"
Ante a falta de resposta de Luzia, ele insistiu: — " Ouviu? "
Ela murmurou um sim e apressou-se a desligar o telefone. Não
queria que ele percebesse que ela ficara chocada com o desfecho do caso.
Luzia sentou-se na beira da cama e ali ficou, com a cabeça entre
as mãos, procurando colocar em ordem os pensamentos que ficaram
tumultuados com o fim daquela ligação tão estranha...
Tinha consciência de sua culpa pela indecisão em assumir
o romance por longo tempo ensaiado, pois tinha dúvidas se o amava
mesmo ou estaria apenas carente e ele avisara que não tolerava indecisões.
Naquele momento sentia-se perdida, sem saber que rumo tomar.
Levantou-se, meio tonta e foi até o espelho do banheiro. Viu-se
pálida, as pequenas rugas pareceram-lhe maiores e, os olhos estavam
úmidos e espantados. Sofria como não esperava que acontecesse.
E odiava sofrer...
Para reanimar-se resolveu tomar uma ducha. Tirou cuidadosamente o abrigo
que vestia, ligou o aquecedor e entrou no box.
A água morna descia abundante sobre seu corpo. Olhou-se no espelho
e acariciou as próprias formas como se as descobrisse naquele instante.
Eram curvilíneas, quentes, róseas, douradas. O corpo tão
macio...
O marido desaparecera nos movimentos de 64. Ninguém mais soube
notícias dele: vivo ou morto. A tragédia abalou-a por longo
tempo, mas sempre existe uma hora de conformidade para com o lado fatídico
do destino. Convenceu-se de que precisava refazer sua vida.
Olhou-se mais uma vez no espelho. Os seios fartos eram bonitos( pensou).
Constatou que a cintura afinara com o regime que fizera e as pernas eram
longas e bem torneadas. Seria uma ninfomaníaca? (Como nunca pensara
nisto?)...
Sorriu levemente. Embora desejasse encontrar alguém para refazer
sua vida, faltava-lhe coragem para encarar novos relacionamentos. "Eles"
desejavam começar pelo sexo e ela não aceitava ser "mais
uma".
Era romântica, sensível, sonhadora. Além do mais
tinha medo da AIDS, do homossexualismo e tantas aberrações
sexuais que via na Internet , na TV ou cinema... Aquela apelação
ao sexo a incomodava pela exposição "despudorada" da mulher.
Não era preconceituosa, mas achava que a mulher estava sendo tratada
como puta decadente, confundida como uma cadela de rua, um
ser amoral incapaz de despertar ou sentir um sentimento amoroso ...
Havia , ainda, uma permanente avaliação dos candidatos
em compará-los com o finado ou desaparecido, como se ele estivesse
sempre presente, sempre superior em algum detalhe aos outros. Sentia-se
acorrentada ao passado.
Para Luzia o amor era a coisa mais importante da vida, mas tinha exigências
eletivas. E como tinha!
O pretendente deveria ser culto, inteligente, sensível e ter
uma voz acariciante. O do telefone tinha todas as características
pensava ela, menos a voz. Passou a ter medo de falar-lhe, algo nela a assustava.
Nem tentara transpor outros obstáculos e engrenar o romance,
daí a fúria dele que em certo momento escrevera: " sua indecisão
não é coerente com a de uma mulher madura..." Claro
que não era, ela sentia-se uma menina... será que ele não
entendia que ela era diferente das outras?
Luzia refugiava-se na defesa, no silêncio, nos poemas que escrevia
sem cessar, numa ânsia tão tenaz que parecia personagem incoerente
de uma peça teatral.
Mas estava cristalina na sua negativa que o homem do telefone havia
conseguido abalar suas convicções.
Entretanto, as dificuldades que inventava tornavam o amor impossível...
Assim como um caso mal resolvido.
Ante tantos pensamentos contraditórios ela iludiu-se e começou
a duvidar até do desfecho do caso.
Luzia olhou para a rua. O frio e a chuva faziam com que as pessoas
passassem encolhidas. O tempo estava triste, o céu cinzento, tempestuoso.
Divisou um horizonte impenetrável e incerto como sua vida. A
árvore da calçada estava desnuda como sua alma, mas logo
não viriam as novas brotações? pensou.
Luzia sentia-se triste, mas tinha esperanças de que nada seria
definitivo, nem irremediável. Haveria um outro dia, outros alvoreceres.
E se os destinos deles cruzassem novamente? Quem sabe ela estivesse
precisando de alguém forte como ele para nortear o rumo de sua vida,
que andava tão à deriva? Poderia até ser outro alguém
como aquele da última festa que a olhara tão intensamente,
num misto de timidez e audácia que ela estremeceu quando flagrou
o olhar dele avaliando o corpo dela. Arre! Outra vez o homem confundindo
mercadoria com a mulher numa vitrina ou prateleira de supermercado!
Luzia enxugou as lágrimas que afloravam aos olhos. Nem tudo
estava perdido. Olhou as horas e verificou que estava muito atrasada para
os compromissos profissionais.
Colocou os óculos escuros e espelhados, a capa de chuva, a boina
e saiu para a rua, enfrentando os pingos de chuva, que escorriam gélidos
pelo seu rosto alabastrino. E perdeu-se entre a multidão que passava...
Tenini