O ÚLTIMO DIA

Faltando 15 minutos para a meia noite e eu, todas as sextas-feiras, saía. Essa história se repetia: eu tinha aula até mais tarde na faculdade e perdia o último ônibus para a minha vila, tinha que seguir a pé.

O trajeto era sempre o mesmo, não havia outras opções. Eu saia da faculdade e deveria andar pouco mais de duzentos metros, descia duas quadras iluminadas apenas por duas lâmpadas colocadas bem altas em dois postes, mas, como havia árvores bem antigas e frondosas nas calçadas, a luz não chegava até os pedestres. Passando as duas quadras escuras eu deveria passar em frente a Santa Casa – um hospital velho quase em escombros e mal iluminado, sempre havia em suas escadarias mendigos, prostitutas e drogados.

Na próxima quadra a rua era ladeada por terrenos baldios, onde o mato já alcançava quase os dois metros de altura, aqui neste local já foram estupradas mais de cinco moças e nada se fez para acabar com o problema. Nesta quadra meus passos sempre foram largos e apressados.

A quadra em frente e a maior delas era a última antes de minha casa, um lugar totalmente escuro e sinistro, via-se de um lado o muro do cemitério e do outro um muro muito alto de uma indústria abandonada.

Hoje fiquei feliz porque junto comigo, mais três alunos perderam o ônibus e tomavam a mesma direção que eu, uma moça e mais dois rapazes adolescentes, talvez estudantes do colégio que ficava junto a faculdade.

Seguiam conversando e rindo, e isto me animou demais, pelo menos hoje eu não chegaria tremendo e gelada em casa.

Eles andavam à minha frente e eu tinha que apertar os passos para alcançá-los. Quando passou a Santa Casa e eu atravessava a rua agradeci a Deus pela companhia, teria que passar agora pelos terrenos baldios.

Vi que meus companheiros diminuíram o passo, talvez até por medo, e eu fiquei lado a lado com eles, comentei:

—         Este pedaço aqui é muito perigoso não é?

A moça se aproximou de mim, rodeou e se colocou a minha frente, enquanto os rapazes ficaram um de cada lado, e ela me disse:

—         Você nem imagina como é perigoso isso aqui.

Neste momento os dois rapazes me seguraram e me arrastaram para o meio do terreno, onde o mato estava mais baixo e batido, foi necessário que os três me segurassem para que um deles, com uma das mãos, me espetasse no braço com uma seringa, ele espetou por diversas vezes, pois eu me debatia muito e tentava gritar, mas a moça me comprimia a boca com seu braço.

Eu via meu sangue jorrar do braço e os rapazes se xingavam entre si por não conseguirem atingir uma veia. Até que vi a seringa se encher se sangue e ele injetar todo o líquido em mim. No mesmo momento senti uma quentura subindo por minha veia, minha cabeça toda esquentou, senti a boca toda seca e a garganta.

A seguir meu corpo todo se relaxou e meus membros não respondiam a ordem do cérebro, eu me desesperava, mas nada conseguia fazer, nem ao menos fechar os meus olhos podia, quando um deles me despiu e eu o vi com os olhos vermelhos e parados penetrando como um animal em meu corpo inerte.

O outro rapaz pegou a seringa e de dentro de um frasco retirou mais um pouco da droga e injetou, primeiro em seu braço e em seguida na moça que agora se dirigia ao meu primeiro agressor. Voltou-se para mim e também tomou meu corpo, virou-me e senti uma dor profunda, como se estivesse sendo rasgada por dentro. Eu nada podia fazer, a dose havia sido muito forte.

Eu ouvi e vi tudo o que aconteceu a seguir, quando eles se saciaram a vontade do meu corpo inerte e ensangüentado, a moça dizia que não queria me ver nunca mais por ali e pedia aos rapazes que resolvessem o assunto. Vi quando ela entrou no meio do mato e sumiu. Então eles vieram, me disseram palavras de insultos e frases sem nexo. Um deles me apontou, tirou de sua capanga um canivete e o deu ao companheiro, sumindo em seguida no mato.

Eu já imaginava o que se seguiria, ele veio em minha direção e me golpeou por várias vezes, no pescoço, no peito, na barriga e enfiava por entre minhas pernas a lâmina que brilhava e refletia o luar. E se foi.

Estou ali agora: nua, deitada e toda coberta de sangue. Meu rosto ainda mais pálido pelo clarão da lua nova que tantas vezes me inspirou em poesias e contos de amor. Só me resta agora velar a mim mesma até que meu último suspiro me mande para o meu destino final.
 

Vera Vilela

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