Há um copo poisado na borda de madeira da grade da varanda e dentro, bailando, dois dedos de Gin, um pedra de gelo desfazendo-se aos poucos e as borbulhas estúpidas de uns quantos decilitros de água-tónica. Nos meus dedos distantes há um cigarro que arde e eu, sentado, olhando as borboletas que dançam à minha volta, sou consumido pela mesma chama alaranjada que as projecta em volteios tremelicantes.
Sei que há na distância que nos separa um lugar onde tu estás, dançando, jogando a vida fora ao ritmo quente de um êxito efémero que não mais se escutará quando chegar o Outono. E eu, aqui, queimando um cigarro que me queima também, bebendo um gin-tónico que não tira o amargor da minha boca, penso que não estás comigo para vermos a dois o bailar das borboletas. A sério, não me importo! Aquilo que o coração sente, a emoção abafa. Pensando bem, queria dizer-te palavras de amor, ter-te abraçada pelos ombros, uma mão afagando os teus cabelos pretos, dois dedos brincando no lóbulo da tua orelha, os lábios ferventes poisados na pele macia do teu pescoço, meu corpo colado no teu, côncavo e convexo, harmonia perfeita. Mas tu não estás e, o pior, é que não estás porque não queres.
Deixa, não faz mal. Sei que há-de chegar a hora, aquela que virá logo depois do amanhecer, quando as borboletas se forem e o céu-azul já não for negro, que escolherás telefonar-me.
— Queres-me? — perguntarás.
Haverá contradição entre aquilo que direi e o que sinto realmente.
— Não, não quero...
Darás aos ombros, bem sei que o farás, embora te não veja. Os teus olhos mostrarão uma tristeza que sentes sem sentir. Porque tu não sentes. Se sentisses, escolherias estar comigo e nunca dançando ao som de um qualquer sucesso de Verão. A pista será tua a esta hora, centenas de olhos olharão teu corpo, escolhendo as melhores poses para te possuírem à distância. Serás deles em pensamento e eu, aqui, olhando as estúpidas borboletas que dançam à volta da luz, descubro a saudade que tento assassinar a todo o custo. Mas, o que sabes tu de borboletas? Que entendes tu da magia, do mistério do amor? Quando to perguntar, sei que dirás que me amas, ou talvez nem sequer consigas fazê-lo, a não ser através de qualquer pequeno gesto sem sentido. Eu não deixarei de to dizer:
— Amo-te, mas não quero esse amor!
Nessa hora chorarei por dentro, as minhas mãos crispar-se-ão sobre aquilo que não existe e os meus olhos vagarão para além do tempo, procurando de novo sem as encontrar as borboletas coloridas bailando no céu-azul da cor da noite. E repetirei uma, duas, cem vezes:
— Não quero esse amor.
Saberei então, como sei agora, que me amas também, mas que preferes ser o centro das atenções a ficar comigo, como escolhem os amantes. É mais forte que tu! Saberei nesse instante e di-lo-ei a mim próprio, que fizeste a escolha, que pudeste escolher e escolheste. Sabes? jamais servirei para quando decidires telefonar a dizer que queres estar comigo essa noite. As palavras sairão da minha garganta, a medo:
— Achas que devo querer-te apenas quando sobra tempo na tua vida?
Dirás, é como se já o estivesses a dizer:
— É pegar ou largar. Sou assim, não tenho culpa.
As palavras voltarão, ainda a medo:
— Não, definitivamente não! Não te quero apenas quando és só tu que queres.
Hás-de perguntar porquê. Não to direi, tens obrigação de o saber. Matarei antes minha raiva surda pensando que prefiro o bailado das borboletas coloridas sobre o céu-azul na noite escura. Essas, são só minhas. Podia emprestar-tas, dividi-las contigo. Mas tu não quiseste, e agora é tarde. Dança. Hás-de ser o centro de todas as atenções, o Sol dessa pista, irradiando luz. Terás todos os olhos postos em ti, desejando cada pedaço do teu corpo. Os meus, por muito que te amem, vão preferir as borboletas. Sim, prefiro amar as borboletas. Porque as borboletas são só minhas.
José Abílio Coelho