Saudade

Quando Isidoro saiu do Norte, deixou por lá Edinéia e seus três filhos. Prometeu voltar — e era promessa séria —, que Isidoro amava demais seu povo.

Foi parar em São Paulo e, de bico em bico, conseguiu serviço numa construtora. Isidoro sempre foi  taludo e isso, mais os dentes bonitos envoltos pela boca carnuda, assanhava as mulheres. Uma delas em especial queria a todo custo conquistar o moreno de sotaque engraçado.

Era loira de cabelos tintos e corpo bonito. Isidoro costumava chamá-la de filha do cramulhão, mas a moça nem ligava: pra conseguir aquele homem, seria capaz de negociar a alma com o chifrudo.

E negociou!

Foi numa sexta, quando a lua míngua, que a moça transformada em Edinéia deitou-se sobre o corpo nu de Isidoro, que sem se dar conta da visagem amou a mulher, despejando-lhe na pele e no útero todos os seus dias de recolhimento e saudade.

Sete anos se passaram. Sete anos de feitiço. E quando Isidoro acordou, já não havia Edinéia, nem suas crianças, nem a promessa de volta. A moça continuava ali, deitando-se sobre seu corpo todas as noites, recitando suas mandingas às escondidas e emprenhando todas as vezes que percebia em seu homem um olhar de ausência.

Mas do destino ninguém dá conta, nem bruxaria. E Isidoro tomou o rumo do Norte, levando na bagagem ordinária alguns brinquedos e um tanto de remorso. Foram três dias de viagem sofrida.

— Edinéia não mora mais aqui não, moço. Mudou-se pra mais de quatro anos. Sim, pra capital. Ela e os meninos todos. Foi com o coronel Lisvaldo, dono disso tudo. Não, nunca mais deu notícia.

Isidoro voltou diferente pra São Paulo, com vontade de não ser mais nada. Virou bandido. A moça de cabelos tintos era a única que, ainda, o recolhia e deitava-se com ele.

Mais sete anos se passaram. Sete anos sem feitiço. Sete anos de dor. Isidoro já não era forte, nem taludo. Os dentes, tão poucos, bambeavam dentro da boca colorida de cachaça e coca. Na cabeça, mareada por fantasmas, só o retrato de Edinéia permanecia intacto.

Mas foi a outra, a moça de cabelos loiros e tintos, que o recolheu agonizante numa manhã de sexta, quando a lua já havia ido embora e todas as promessas de volta espalhavam-se — mortas — pela calçada.

Mariza Lourenço

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