“De Profundis Clamavi ad Te Domine,Você é um covarde, Marino, um covarde. Tudo na sua vida não passa de enganação. Que diabo, por que não ser você mesmo? Veja-se no espelho: o seu corpo é de homem. Faça o que deve ser feito. Quarenta anos. Quarenta, meu chapa! Olha os pêlos do seu corpo, os bagos pendendo inchados, cheios de sêmen. Você ainda duvida? Eu duvido. Porque me devotei desde muito cedo a Deus. O que os olhos vêem é ilusão. O desejo precisa ser contido. E aquela bundinha na playboy que você folheou escondido? E as punhetas que levou no banheiro, pensando naquela empregadinha? Meu Deus, perdão! Eu preciso de uma válvula de escape, senão eu morro. Sou apenas humano. Humano.
Domine Exaudi Orationem meam.”
O hotel cheira a mofo. No espelho, a minha imagem. É real? O que é real? O espelho é real? Deus!!! Salto sobre a cama e mergulho sob o travesseiro. À noite, o desejo é mais pungente, como uma faca cortando a carne docemente. Sinto meu pau endurecendo no contato com o lençol. Não quero bater uma, não quero. Mas ele lateja, pulsa. Um banho. Um banho frio. Depois uma oração, elevando o pensamento aos céus e tudo se resolverá. Não devia ter deixado minha diocese e vindo a esse congresso maldito nesta cidade maldita. Cheia de mulheres desejáveis.
Depois do banho, de costas sobre a cama, o ventilador de teto resmunga sobre o corpo lasso e novamente o indomável desejo, externando do corpo, sem destinatário. Sair, dar uma volta. Visto-me às pressas e desço os dezesseis andares a pé. A atividade afugenta os maus pensamentos. Chego à rua ofegante. Marino, você precisa caminhar, caminhar muito, até que a tentação esmoreça. Atropelando os passos, sigo sem destino na cidade desconhecida. Tem medo de mulher? Olhe aquela piranha na esquina. Quem sabe ela te ensina? Uma mulher memorável. Uma pecadora. Perdoai-me, senhor! A brisa leve sobre o suor do corpo me reconforta. Caminho mais calmo. Vejo uma igreja. A porta é pesada e geme baixinho à minha passagem. Com os olhos, vasculho a nave imensa. Passageiro sem destino, ajoelho-me na segunda fila. Nenhuma alma insone. Eu e Deus. Ele me sustenta. Um refúgio, o sonho da família, pai e mãe agora distantes. No fundo da casa de menino, o rio seco, um fio entre montanhas de vegetação rubra como o sol impiedoso que machuca a terra. Pai e mãe agora enterrados na mesma terra fendida, rachada como a minha fé. Senhor, aumentai a minha fé! Idiota, de que valem essas preces se você não ouve o clamor do corpo? O que você ganhou todos esses anos? Isso é ilusão! Não! Que seríamos se não pudéssemos conter o desejo insano? Não mais que animais. Sobre o altar as velas apontam para o céu, imóveis e soberanas, impassíveis como a alma repleta do espírito. A luz vermelho-sangue do santíssimo impregna minhas roupas. Ó, Senhor, ilumina-me com tua sabedoria. Ó, Pai nosso que tudo vê, não permita... Que chegue logo o dia e me liberte desse fogo, do fogo que me consome. Você é um homem, Marino, um homem ilustrado. Já leu os grandes filósofos. Por que não segue a natureza? A natureza é o seu sexo latejando entre as coxas. Deixa de viadagem! Mas eu jurei fidelidade. Fidelidade, coisa que você desconhece.
Saio. Na rua tranqüila, parcamente iluminada, ouço o barulho de passos. Uma loura atravessa a pista. Veste uma blusa leve, que ondula ao vento, e o seu rebolado, a saia prateada desfolhada pela aragem, reluzindo como uma estrela terrena... Aquela mulher é divina. Siga-a. Quem sabe só um papo resolva seu problema? Mas eu não devo, eu sei. Você quer me enganar. Eu?!! Quero é te ajudar. Ela pode dar uma pegadinha. O que é uma pegadinha? Sem mais, vejo-me no rastro dela como cachorro no cio, inconscientemente guiado pelo ritmo sincopado. Ela pára. Vira-se: “Tem um cigarro”. Voz de contralto. “Não, não fumo”. “Moro aqui. Quer subir, meu querido? Cuidado com a escada. É velha, precisa de reforma.” Mostra pra ela, caralho. Deixa esse cavalo sair. Fode a vaca até ela cair desmaiada. Amanhã você volta pras suas orações e será santo novamente. Santíssimo como a ovelha imolada. Hipócrita! Essa mulher é uma pecadora. Também sou um pecador e por isso a segui. Sento-me no sofá. “Fique à vontade. Toma alguma coisa?” “Não. Não me entenda mal. Eu vou lhe pagar, mas só quero conversar”. “Conversar?!! Mas um homem tão gostoso...” Suas mãos deslizam sobre minhas calças e encontram o vergalhão ereto. Ela me aperta o sexo suavemente. “Não me leve a mal, mas só quero conversar”, repito. Conversar o quê, seu falso santo, você quer é meter! Leve essa putinha pra cama logo e fode até de manhã. “Ah” Ela faz um biquinho. “Conversar?” senta-se ao meu lado, encarando-me de frente. “É. Sobre sua profissão. Quero que me conte uns casos”. Olha para o teto e solta uma gargalhada. De que ri? Viu idiota, seu completo idiota, ela zomba. Já percebeu que você é um frouxo. Mostra pra ela quem é frouxo, rasga as roupas dela, morde os peitos dela, enfia a tua naba em todos os buracos. Ela ri, e ri. “Qual é a graça?” “Puxa, isso é que é ganhar dinheiro mole. Eu faço tudo, cara, tudo mesmo”. E começa uma tontura leve, o sangue subindo à cabeça como uma cachoeira. De repente, as coisas acontecem naquela penumbra como se houvesse flashes de discoteca. “Quem sabe você não está é com vergonha?” “ Pode ser que sim, talvez” “Eu te ensino, bobinho, já ensinei a tantos”. A mão desliza suavemente sobre uma coxa e agarra a braguilha, enquanto estico o corpo para trás e deixo que me toque. Uma pegadinha, o que é uma pegadinha? A mão da pecadora também é santa. O toque não pode ser pecado, um toque tão carinhoso, tão delicado. E o membro endurecido, como uma seta apontando para o alto. A boca vermelha caminha para a pube exposta. “Não. Por favor, não!” “Mas por quê, meu bem? Isto é tão natural.” Salto do sofá e de pé, abotôo as calças. Mas foi só uma pegadinha, ela quer te dar mais, seu imbecil. Ela dá até de graça. Não vê que ela gostou de você, cacete! “Eu queria apenas ouvir histórias”. Ela se levanta, tira a blusa e esfrega os seios nos meus braços. A pele de maçã, bicos em riste. Agarra-me pela nuca, suga-me os lábios com força e vasculha meus dentes com a língua fria. Um gosto de cigarro. Desvencilho-me. Preciso pensar em algo. Eu não quero assim, não quero isso assim! O que veio procurar aqui, Marino? Vou voltar para a igreja, quem sabe está aberta? “Eu preciso ir. Não devia ter subido. Pago o seu cachê. Quanto é? Cinqüenta? Cem?” “Não é questão de grana. Simpatizei com você.” “Quanto? diga aí!” Saco a carteira do bolso e tiro duas notas de cem. “Eu tenho um problema, não posso trepar. Vou ter de ir, uma pessoa me espera, alguém muito importante me espera” Corro até a porta. ”Por favor, me esqueça, não fique triste, você é linda, muito desejável, eu sou uma merda, uma merda, a escória, fique com esta grana que é mais do que merecida, adeus, adeus.” Desço as escadas correndo e, pelas ruas, atrás de mim, gargalhadas ecoam na noite escura.
Umberto Krenak