Ele tinha acabado de abrir a garrafa de vinho, quando o telefone
tocou:
- Marcelo?
- É ele...
- Oi. Você sabe quem está falando?
Ele não fazia a menor idéia.
- É a Letícia.
Quem seria Letícia. Ele tentou lembrar de alguém com
esse nome, mas não vinha ninguém na cabeça.
- Letícia...
- Amiga da Juliana...
- Juliana... A Juliana da faculdade?
- Faculdade?!?
- É... Do Jornalismo.
A única Juliana que ele conhecia era uma menina que fazia
Jornalismo na Universidade Federal e que, mesmo assim, não
era lá muito chegada, era mais da turma da Neide, que fazia
Publicidade com ele.
- Não. A Juliana do Banco. Amiga do Cristóvão.
Viajou. Não conhecia nenhum Cristóvão, isso ele tinha
certeza. Ninguém com um nome assim passa despercebido.
- Tem certeza que sou eu? Acho que você está me
confundindo com alguém.
- Você não é o Marcelo que toca naquela banda de
blues, amigo da Juliana?
Não tinha a menor vocação para instrumentista
musical, apesar de adorar blues, principalmente os cantados por
vozes femininas, o que não era tão comum.
- Você está enganada. Não sou o Marcelo que você
procura.
- Ah! Que pena, precisava mostrar uma coisa para ele... Mas como
é que eu tenho o seu número?
- Sei lá. Às Vezes alguém que me conhece te deu
esse número e você achou que eu fosse o outro Marcelo.
- Mas quem me daria o seu número?
Quem poderia ser? Achou que tinha respondido sem pensar a pergunta
anterior.
- Boa pergunta... Quem sabe a gente não tem um conhecido
em comum. Como você chama mesmo? É Juliana?
- Não. Meu nome é Letícia. Juliana é a
minha amiga, que deveria ser sua também.
Mais uma vez tentou lembrar de alguém que se chamasse
Letícia, mas não conseguiu.
- Eu realmente acho que não te conheço, Letícia.
Mas pode ser que algum conhecido meu te conheça e te passou
o meu número, confundindo também os Marcelos.
Mais uma vez estava complicando o assunto. Ele era péssimo
para tentar explicar alguma coisa.
- Pode ser. Eu não tô nem lembrada de quem me deu esse
número - ela disse, enquanto abria uma folhinha de papel amassada,
onde estava escrito o nome de uma empresa de softwares.
- Tava aqui na minha bolsa e eu achei que esse Marcelo do papelzinho
fosse o cara da banda...
- Que pena. Às vezes você acha outro telefone dele aí
na sua bolsa.
Ela achou engraçado e riu baixinho.
- Você gosta de blues?
- Eu adoro, é sobre isso mesmo que eu queria falar com
o Marcelo.
- Então pode falar.
Ela riu de novo, mas desta vez ele pôde ouvi-la.
- Você também tem banda de blues?
- Não tenho banda nenhuma, mas também gosto muito.
Ela ficou pensando que ele deveria ser um cara legal.
- Você vai fazer alguma coisa agora?
Ele havia programado tomar um pouco de vinho e depois ir ao cinema,
sessão das 9.
- Nada. Ia tomar um banho e talvez ir ao cinema.
- Não quer sair e escutar uns blues.
Ela tinha sido bem direta e ele havia gostado.
- Podemos. Você gosta de vinho?
- Prefiro uísque, mas um vinhozinho também é bom.
- Eu acabei de abrir uma garrafa de vinho. Você me acompanha?
- Lógico. Posso te pegar na sua casa? Onde você mora?
Ela era bem direta. E tinha um Fusca branco. Ele trocou de roupa
rápido, pois ela disse que não demoraria. Pegou a garrafa
de vinho e, meio sem acreditar, ficou esperando a garota na varanda
do apartamento. Assim que viu o carro parando na porta do prédio
ele desceu, satisfeito, com o tinto na mão. Ficou imaginando
no elevador como seria aquela menina. Procurou não alimentar
grandes expectativas, apesar de ter gostado muito dela pelo telefone.
Ao chegar na portaria ela estava de pé, conversando com o
porteiro.
- Achou que eu não viria e não desceu?
Apesar dela ter acertado em cheio ele inventou uma desculpa a
respeito de escova de dente. Cumprimentaram- se com um beijo no rosto e
entraram no carro. Ela deu partida e ele pode reparar que já
a conhecia. Agora sim tudo fazia sentido. Lembrou do dia em que saía
bêbado do bar e a viu, no mesmo estado, tentando pagar a
conta. Era aquela menina linda que ele nunca mais havia visto, que
ele só lembrava pelo fato de ter colocado o seu número
de telefone dentro da bolsa dela, anotado em garranchos de gente
tonta. Mas ela nunca se lembraria daquilo, nem deve ter visto.
- Eu canto.
Ele não ouviu.
- Eu disse que eu canto. Eu tava procurando o Marcelo para ver se ele
não me arruma um teste para cantar na banda dele, que está
sem o vocal.
Perfeito.
E lá foram os dois seguindo pela noite, com o vinho, o
blues e o Fusca branco.
Leo Rodriguez