Moveu-se, vagarosamente, até a cozinha.
Apanhou o pano de fazer café (ele só gosta de coador de pano)
Preparou a cafeteira e arrumou duas xícaras. A dele é sempre
esta, com um quebradinho do lado... manias... lá fora a tarde descia
morna e um pássaro cantava.
Arrumou a bandeja, colocou a mesma toalha rendada, o açucareiro
polido, as colheres pequenas de prata, brilhando. O cheiro do café
se misturava às violetas no jardim molhado... as preferidas dele.
Deixou a bandeja sobre a mesinha perto do sofá onde costuma ver
televisão.
Sentou-se na poltrona à direita e começou a brincar com o
controle remoto. Ele só assiste a Tv paga - Mundo, People and Arts...
separou o jornal, tirou os classificados. Deixou a página de esportes
em primeiro lugar.
Ligou o som, bem baixinho, é assim que ele gosta.
O seu CD preferido
"They say ... Ruby you're like a dream... você é como
um sonho, meu rubi, minha querida... I hear your voice and I must come
to you..."
As árvores iam virando silhuetas escuras contra a tarde que morria.
No céu, ainda claro, as primeiras estrelas surgiam.
Levantou-se, apanhou o cachimbo, encheu de fumo, guardou a sacola e bateu
ligeiramente na almofada. Deixou o cachimbo ao lado do sofá.
Folheou a revista de palavras cruzadas, tentou fazer algumas, não
conseguiu. Ele é quem sabe resolver estas mais difíceis,
organiza pequenos dicionários com sua letra inclinada e forte.
"Em algum lugar... no final do arco-iris..."
O perfume do café se mistura ao das flores, como ele gosta delas!...
o céu escureceu de repente e milhares de estrelas ocuparam o espaço
que sobra entre as cortinas delicadas. Entram, junto com a noite recém-chegada,
na sala escura.
Acende o abajur ao lado do sofá onde ele fica.. que mania de ler
com pouca luz!... abre o livro, marca a página com o belo separador
indiano.
Durante horas, permanece tranqüila, olhando para a frente.
Depois, apaga a luz, desliga a televisão e, lentamente, volta para
o quarto vazio.
Arruma cuidadosamente os lençóis, as cobertas, os travesseiros
dele.
Vai até a janela e olha uma última vez para o céu
imenso, negro e pontilhado de olhos luminosos. Ao longe, a silhuetas das
montanhas recorta-se, ainda, mas quase indistinta.
Sente frio, aconchega contra seu peito o casaco masculino.
Fecha a janela com cuidado.
"Algum dia... em algum lugar... além do arco-íris..."
Pega o retrato na cabeceira, dá um longo beijo e diz, com
voz firme
- Boa noite, amor.
Na casa vazia, nem um suspiro.
As flores estão adormecidas... dorme a chaleira sobre o fogão
e a TV sobre a mesa.
Dormem as estrelas no céu e o cachimbo sobre a mesa.
Maria Helena Bandeira