Conhecia Artur lá dos anos setenta. Daquela época de repressão e sonho. Lembrava-se dos vastos cabelos negros, da bolsa a tiracolo cheia de panfletos. Haviam se cruzado pelas esquinas da cidade e corredores da Faculdade.
Paulo era mais baixo, nariz arredondado, cabelos claros. Tipicamente germânico. Porém, mandara às favas a ótica protestante e luterana. No entanto, a aparência denunciava sua origem serrana.
Encontravam-se, com freqüência, nos bailes promovidos pelo Diretório Central de Estudantes. Reuniões-dançantes movidas a vinho tinto de garrafão e certa erva mal-cheirosa. No velho toca-disco, músicas de Alceu Valença, Ednardo, Elba Ramalho e nada de “discoteque”. O pessoal politizado ojerizava a música americana.
Artur, invariavelmente, saia acompanhado. Era alto, tinha uma conversa envolvente. Paulo, por muitas noites, ficava escorando a parede e recebendo não das gurias. Volta e meia, saia do DCE e ia a um clube mais popular. Lá, ocasionalmente, arranjava uma comerciária ou empregada doméstica. Coisas da época da repressão política e sexual.
Os tempos foram passando e um não teve mais notícias do outro. Ocasionalmente, algum colega comentava que Paulo estava clinicando no Interior. Outro, falava que Artur entrara num jornal alternativo e fora processado pela Lei de Segurança Nacional.
Hoje, Artur reencontrou Paulo. Internado no Hospital Municipal, esperava em sua maca o horário de adentrar a sala de operações. De repente, surge o Doutor Paulo, o mesmo olhar tímido, os cabelos loiros. Agora, ralos.
Mal puderam se cumprimentar. O sistema interno de som anunciava a liberação da sala de operações. Artur, ainda, conseguiu falar :
— Vê lá o que você vai fazer comigo.
— Fica tranqüilo, Artur, não vou me vingar das namoradas que você me levou.
Riram. Profissionalmente, Paulo aplicou a injeção de anestésico.
E Artur nunca mais acordou.
Ricardo Mainieri