Ele caminhava sempre pelas ruas de cabeça para o alto, salivando as nuvens e resmungando melodias – não bulia com ninguém. Porém, o chamavam Doido. Isso o viam por fora, o conheciam por alto, mas, outra coisa muito diferente é o saber por dentro. Não era mais doido que o resto do mundo, mas as outras pessoas do mundo insistiam:
— Olha lá o Doido!
Esse estigma principiou depois que ele se apegou a misturar-se com livros. Passou a colecionar bibliotecas em seu currículo; e o modo como viajava pelas aventuras das paginas amareladas dos sebos com os olhos em transe e o tique de roer unhas enquanto lia acomodado nas salas de leitura tremelicando o corpo insinuando um suave galope e brandindo a lança imaginária enquanto de sua garganta brotava um clamor ardente de nome Beatriz. Pronto! Não havia ali duvidas, virou O Doido da Beatriz.
Em suas andanças pela noite cantarolava sempre:
— Ler é fogo, que arde sem se ver...
E quando desconfiava de algum transeunte, flechava-o de supetão a pergunta:
— Acaso viu por aí, Virgílio?
Recebia o desdém dos ombros e as costas como resposta. Parava por instantes, meditativo, olhando o céu. Seguia caminho metido em sua eterna camisa verde-oliva nas costas, abdome amarelo e com uma estria preta de cada lado. Na cabeça um chapéu cinza jogado para a nuca.
As vezes era visto amuado com a atenção voltada para alguma janela que lhe fugia ao alcance físico, chamando baixinho por Beatriz. Sem êxito dava meia-volta imitando uma tropa em marcha e colocava-se na direção oposta. Afastava-se.
Quando inquirido sobre o seu comportamento; era taxativo:
— Nunca sentira no rosto e nas mãos o calor das línguas de fogo das palavras? Nunca abraçou essa deliciosa ilusão que enternece a alma, suplanta as dores da vida e nos submerge numa torrente de prazeres?
— É Doido mesmo!
Recebia como resposta às suas questões. Mas o que ele mais gostava mesmo era de circo. Montava seu circo imaginário na praça de ficava durante horas gargalhando das mais hilárias comédias. E O Doido da Beatriz foi re-batizado de O Doido do Circo. Costumava dar folga ao sorriso observando as pessoas transitarem apressadas diante de suas vistas esbarrando uma nas outras trocando insultos e caretas. Os motoristas bradando ferozes e vibrando os braços: nessas horas notava-se em seu semblante um misto de repulsa e tristeza.
Um belo dia O Doido do Teatro foi internado à força por uma alma bondosa e logo em pouco tempo disseram-lhe curado. Deixou o templo de correção falando com as botas – e, quando se deparava com alguém, olhava nos olhos e disparava:
— Ó Cruéis! São todos uns cruéis! Privaram-me da minha felicidade – bradava cambaleante.
E, não suportando os escuros e tortuosos meandros da realidade, O Doido do circo hesitou e reteve a respiração – negando-se a participar desse “circo de horrores”.
José Mattos