A loja de bebês

Pelos corredores do shopping, uma multidão se espreme. São pessoas de todas as idades, de todos os tipos, vindas de todos os cantos da cidade, subindo e descendo pelas infatigáveis escadas rolantes, peregrinando pelas alas, acotovelando-se diante das vitrines. A cidade não tem muitos atrativos, e o calor de dezembro, na falta de praia, convida a um ambiente climatizado.

Dentro da loja de roupas infantis, casais com e sem filhos, mulheres grávidas, avós e vendedoras distribuem-se irregularmente por entre as bancas e estantes de roupas e brinquedos, mamadeiras e fraldas, sapatinhos, toucas ,bonés e cadeiras para transporte. Uma boneca de louça destaca-se em meio a bichos de pelúcia importados. Há fantasias montadas em manequins de plástico.

Próximo a uma arara, duas mulheres conversam, ambas de tez morena; uma delas visivelmente grávida; a outra não, é magra e já passou dos trinta. A magra estende o macacãozinho colorido junto ao rosto, mostrando-o à outra:

— Olha que lindo este!

— É. É lindo. Mas são todos tão lindos! – responde a grávida, os lábios rosados emoldurando um sorriso de puro encanto.

A outra devolve a peça para a barra de metal.

— Isso me lembra quando tive o Tiago. Ele está com cinco anos, sabe? Sempre que venho ao shopping passo aqui. Foi aqui que comprei as primeiras roupinhas dele.

A grávida encara-a com interesse:

— Cinco anos? Pôxa! Eu daria tudo para já ter filhos maiores. É o meu primeiro e estou muito ansiosa. Faltam quinze dias pela data do ultra-som. Deixei pra arrumar tudo na última hora.

— Quer que eu te ajude? Conheço a loja como a palma de minha mão.

— Imagine! Não quero incomodar. O Josué, meu marido, já deve estar chegando. Ele me deixou aqui e foi levar uma tia em casa, não demora.

— Mas seria um prazer. Eu realmente gosto disso. Penso até em montar uma loja de roupinhas eu mesma.

A grávida fitou os olhos da outra e viu um esboço de lágrima bordejando as pálpebras.

— Está bem. Se não for incomodar...

— De jeito nenhum – respondeu a mulher, levando o polegar e o dedo médio da mão direita ao rosto – O ar condicionado me irrita os olhos. Meu nome é Ana. E o seu?

— Flávia.
 
As duas mulheres passaram a tarde comprando. Conversaram sobre filhos, hospitais, sobre a vida, sobre homens. Ana sabia tudo de crianças, tinha na ponta da língua as respostas para as dúvidas da outra sobre as necessidades de um bebê. Dentro do carrinho, fraldas, cueiros, mantas, macacões, blusinhas, calças, babadores, bicos.

Pagas as compras, já estavam de saída quando Flávia avista o marido.

— Um minuto – diz à outra, virando-se e acenando para um homem gordo e alto, que custa a localizá-la e que chega arfando, com círculos compactos de suor sob as axilas. Beija a esposa grávida:

— Querida, o pneu furou e o estepe estava vazio. Para completar, esqueci o celular em casa. Não tive como te avisar.

— Tudo bem, querido, está tudo bem. Na verdade, foi até melhor, porque sei que você não gosta mesmo de vir ao shopping. Já comprei tudo e graças à Ana...

Quando a grávida se vira, no entanto, para apresentar a mulher ao marido, não mais a vê.

— Quem? Que Ana é essa? – Josué perscruta o ambiente do alto de seus quase dois metros – como ela é?

— A moça que me ajudou. É magra e baixa, um pouco mais velha do que eu. Estava aqui quando você entrou... Foi só me virar e ...desapareceu...

— Flávia, Flávia... Quantas vezes eu já te disse para não confiar em ninguém. Ninguém, entendeu?! Ela mexeu em sua carteira? Em seu cartão de crédito?

— Não, não. Peraí, vou olhar – abre a carteira e verifica: – Está tudo aqui, querido. Deixa de tolice. É só uma mulher ajudando a outra, coisa que vocês homens não entendem.
— Beleza. Então, já que está tudo pago, vamos embora porque tem a final do campeonato e eu não estou a fim de perder.

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Hoje, Ana demorou no shopping mais do que de costume. Está preocupada com Tiago, pois nunca o deixou sozinho tanto tempo. Mas foi tão bom ajudar aquela mãe despreparada, que se esqueceu da hora, esqueceu-se de seu filho, um pecado imperdoável. Deixou-o sozinho em casa. Por isso saiu assim que viu o marido da outra, sem mesmo se despedir. Tomou o primeiro ônibus e se foi. Ana chega ansiosa ao apartamento onde mora, num subúrbio da zona norte, o coração aos saltos. Como ele estará? O clima mudou, faz frio. Abre a porta aos solavancos e corre para o quarto. Na semi-penumbra pode delinear vulto de seu filho, respira aliviada; caminha devagar por entre as camas, evitando fazer barulho, abre um sorriso, passa pela cômoda e se aproxima do frasco de vidro onde, corpo curvado sobre si, membros fletidos com as mãos perto do rosto, descansa a sua jóia mais preciosa.

Umberto Krenak

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