Um caso de dor


Ela chora baixo, encolhendo-se na cama em posição fetal. Sente o estômago queimar. Abafa o grito de dor mordendo o lábio e levanta-se lentamente. Ele continua a fingir que está dormindo, mas mantém os ouvidos atentos. Ela se veste com dificuldade, curvando o corpo na tentativa de estancar a dor. Arrasta-se até a sala, onde procura a chave do carro. Ele aparece na sala, pronto para sair, segurando a chave. Ela sussurra: "quero ir ao hospital... estou morrendo de dor no estômago". Ele abre a porta e espera que ela atravesse primeiro. O rancor impede que pronunciem uma única palavra durante todo o trajeto. Os gritos da discussão que tiveram há minutos atrás ainda ecoam e as palavras cortantes que pronunciaram continuam a machucar. No hospital público, esperam pelo atendimento sentindo o silêncio pesar sobre eles. Uma mulher seminua deitada na maca dorme de olhos abertos ou olha para o teto ou está morta. Ouvem o choro insistente de uma criança vindo de dentro do velho hospital. O médico chama o nome dela, vão juntos. Ela explica que tomou três comprimidos de um analgésico forte. Ele olha com espanto para ela. O médico fala com rispidez sobre os perigos da automedicação. "Tudo o que eu queria era não sentir mais dor...", ela responde. A enfermeira traz a medicação intravenosa. Ele sente vontade de chorar ao vê-la deitada naquela cama de hospital, com o rosto inchado de choro e tristeza. Voltam para casa em silêncio. No trajeto ele pára o carro num acostamento. Abraça-a desorientado. Ela se mantém em silêncio, distante. Alguns poucos carros passam por eles. A cidade está às escuras, sem lua ou estrelas. Mais um domingo vazio chega ao fim.


Ricardo Borges

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