DESTINOS QUE SE CRUZAM
Tomei banho, vesti um jeans surrado e caminhei tranquilamente até o Hi-Jack, um pub-inferninho situado a dois quarteirões do meu prédio. Estava um calor de rachar. Quando cheguei, havia muita gente em pé. Forcei o caminho através de uma cerca humana, se é que se pode chamar de humanos a um bando de marmanjos suarentos, cheirando a cê-cê. O motivo da aglomeração era o show de umas garotas no centro do salão. Ao som de música baiana - bundinha para a frente, bundinha para trás, saltinho para a frente, balança, saltinho para trás, balança, peitinhos ondulantes espremidos em minúsculos bustiês - três meninas deliciosas nos seus vinte e poucos anos.
Terminado o show, o pessoal aplaudiu efusivamente com assobios e ovações de "gostosa". Depois, a maioria foi embora e sobrou cadeira. Sentei-me em uma mesa perto do bar. Botaram música country. “Um cinzano” – pedi. Foi então que percebi algo roçando as minhas costas: uma das garotas do show conversava de pé com um cara magrelão – enquanto falava, remexia ao sabor da música, vez por outra esfregando as ancas em mim. Uma gata! Ela ainda usava o minúsculo shortinho verde, interrompido no meio das bandinhas roliças. Quando percebi, a imaginação já havia tomado conta e me vi escalando aquelas montanhas morenas de carne, despencando pelo vale entre elas...
Voltei à realidade com alguém me cutucando, pedindo licença para sentar. Era a mocinha. Fiz um gesto de cortesia "É que estou cansada, sabe?” – explicou. – “Não sei se o senhor viu o show?”. Assenti com a cabeça. Falava com uma voz de menina inocente e eu, como bom cinqüentão, fiquei babando."Você dança muito bem." “Obrigada.” "Toma alguma coisa?" - apostei que iria se fazer de difícil. "Tomo sim.” Pegou meu copo e provou. "Uh, é amargo... Posso pedir uma cerveja?" “Ôpa, ela tá me dando mole” - pensei. “Claro!” “O senhor mora aqui perto?" perguntou. Vi logo que não passava de uma daquelas putinhas que andam pela praia à cata de turistas. Resolvi dar o golpe fatal. "Moro a dois quarteirões, um apartamento com vista para o mar. Não gostaria de conhecer? A gente pode levar umas cervejas e tal.” Como eu suspeitava, ela aceitou de cara.
Na entrada do prédio, o porteiro ficou nos olhando com um ar de cumplicidade, sorrisinho no canto da boca. Subimos de elevador. Décimo-segundo andar. Já no apartamento, fui logo abrindo a porta que dava para a varanda. Entrou uma brisa leve. “Sabia que se parece com meu pai?” – disse-me ela, passando os olhos no ambiente. Sorri. “Ele saiu de casa quando eu tinha dez anos.” “Ah, é? Que pena!” “Nunca mais voltou”. O papo estava ruim; mudei o tom: “Aceita uma cerveja?”. Ela fez que sim. Fui até a cozinha e voltei com duas latinhas de skol.
Agora, de pé na varanda, ela observava o trânsito engarrafado na avenida Atlântica. Uma mão espalmada pediu que eu parasse e, de repente, sem se importar com os prédios em volta, começou a despir-se até ficar completamente nua, de costas para mim, desafiando-me com um dedinho atrás da nuca. Hipnotizado pela cena, eu me aproximei, beijei seu pescoço, esfreguei-me em suas nádegas, alisei suas costas. Em seguida, também tirei a roupa e penetrei lentamente no seu mundo de calor e umidade. Ela gemeu de prazer - gemidinhos leves, suspensos, interrompidos; depois virou-se e jogou-me no chão, lambendo cada pedaço do meu corpo antes de sentar em mim. Deixou que eu quase estourasse de tesão até começar os movimentos para cima e para baixo, subindo e descendo, subindo e descendo, cada vez mais rápido, mais rápido, mais rápido, mais rápido...Por fim, gritando para o mundo repetidas vezes.
Baixado o fogo, sentia-me leve, um garanhão saciado. Foi então que percebi aquela vozinha de criança choramingando “Pai, paizinho”, repetia. “Pai, desculpa paizinho.” “Ei, menina!”, tentei segurá-la. Mas ela, de olhos fechados, se debatia.”Não era isso, paizinho!” Com muito custo, consegui carregá-la para a sala, mas ela agora batia forte em mim com os punhos cerrados “Pai, papai!” e me esbofeteava. Gritei com ela. “Não grita! Não grita comigo, seu puto!” “Eu não sou seu pai, garota!” De repente, ela se desvencilhou de mim, correu desesperada para a varanda e, sem mais, saltou sobre o guarda-corpo, mergulhando de cabeça, caindo em queda livre, espatifando-se no asfalto, atraindo um grupo de pessoas, interrompendo de vez o trânsito naquele fim de tarde.
Umberto Krenak