Virgínia e o Dão

         Quando chegou ao Brasil, Virgínia guardou Portugal dentro de um enorme baú de madeira. Cobriu-o com um lenço florido e franjado. Ali a Lusitânia ficava quieta, esperando que Virgínia o abrisse quando sentisse saudades. A princípio, o baú era aberto umas três vezes ao dia. Virgínia descalçava os sapatos, sentava na borda  e enfiava os pés nas toalhas, fronhas, lençóis e álbuns de fotografias do Rio Dão. Alheio às estranhas águas, o rio rolava seixos por entre os dedos da rapariga que um dia conhecera em Mangualde. Nessas horas, Virgínia chorava. As lágrimas molhavam as roupas do oceano que margeava Lisboa. Subitamente os seixos secavam para que ela e Amália Rodrigues subissem a Rua do Capelão. Subiam cantando como só as portuguesas cantam. Portugal nessas horas também chorava. Pegava uma guitarra esquecida no fundo do baú e desenhava notas num fado. Não sei se por fado ou destino, Virgínia um dia mergulhou no Dão e nunca mais retornou. O baú continua no mesmo lugar, fechado, cerrado, dolorido como o fado. A chave? Virgínia a levou com ela...

Marcia Frazão

Do livro: Amor se Faz na Cozinha, Bertrand Brasil, 2003, RJ
Texto enviado pela autora

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