Nomina
Lembro-me bem, era noitinha. Resolvida, fui até o armário de papai e arrisquei um gole. "Um gole, de que vale um gole?!" Tomei outro, mais outro, e ainda outro. Depois devolvi a garrafa pro lugar, procurando manter tudo como estava.
Não levou dez minutos para que sentisse o fogo me queimando as entranhas, a cabeça leve, o corpo bambo. "Maldito Zeca!" Depois de cinco anos, casamento marcado, fugir com a Mariinha, a sonsa da Mariinha, ainda nem bem saída das fraldas.
Todos já deitados na casa grande, saí e marchei pro barracão dos fundos.
Queria que fosse com ele, o forasteiro; o homem que pediu pousada pro pernoite e me comeu com os olhos ao nos saudar naquele fim de tarde.
Não era bonito, mas viril - alto e espadaúdo, a cabeleira negra caindo sobre os ombros; sobrancelhas espessas emoldurando olhos de profunda escuridão.
Abri a porta bem devagar: ele dormia. Toquei de leve os lábios vermelhos que assomavam da floresta de seu rosto. Olhou-me encabulado. Deitei bem junto e me aninhei como uma cobra entre suas pernas; senti o volume pressionando minha carne quando os corpos se colaram.
— Menina, o que é isso, menina?
Não respondi.
Queria aquele homem.
Ofereci-lhe minha boca - ele hesitou. Por fim beijou-me com fúria e me abraçou com força. E nos amamos ali, sem tirar a roupa, cuidando não fazer barulho.
Quando tudo acabou, ainda suado, ele me fitou, perguntou meu nome.
— Eufêmia — respondi.
Sem mais, seus lábios se abriram num sorriso. "Eufêmia?" De repente, desatou a gargalhar. "Eufêmia?" — repetia, sufocando o acesso de riso com as mãos, o corpo sacudindo sobre o catre, fazendo ranger as tiras de couro. Pensei que iria parar, mas ele sempre recomeçava, falando o meu nome e rindo desbragadamente.
No começo até achei graça; depois fiquei chateada. Então saí pisando duro e não olhei pra trás. Não quis vê-lo de novo. Nem mesmo quando partiu com sua tropa, de manhã bem cedo.
Isso foi há cinqüenta anos, mas ainda conservo vívidas as lembranças dessa noite, a primeira e última de amor carnal que tive.
Aqui onde estou agora o tempo passa devagar. Foi entre estas paredes que encontrei o meu verdadeiro caminho.
Hoje, quando me perguntam o nome eu falo firme e orgulhosa: — Eufêmia, Irmã Eufêmia, e completo: — nascida a 16 de setembro, o dia da Santa.
Afinal, o nome a gente não escolhe, apenas segue.
Umberto Krenak