Vitamina C e cama
Estava ali sentado na poltrona do papai, de couro amarronzado, tentando se concentrar na partida de futebol que acontecia na TV 29 polegadas, tela plana, que comprara em 15 prestações. Os dois filhos brincavam no tapete ao lado, indiferentes ao esporte bretão que era transmitido pelo canal 35. Ele tinha no colo uma vasilha de pipoca sabor bacon e ao lado da cadeira um copo de chá gelado, sabor pêssego. Mas nada daquilo conseguia fazer com que ele se concentrasse em algo. O sono era avassalador. Tentava manter as pálpebras firmes e abertas, mas o cansaço de uma noite mal dormida estava vencendo, tal qual o time de vermelho. Entregava-se ao sono em pequenos segundos e voltava à tentativa de vencer a sonolência. Num desses micro-cochilos, acordou subitamente, quase derrubando a vasilha de pipoca do colo. Olhou assustado para todos os lados. Não conseguia reconhecer nada daquilo. Olhou para a TV e viu um jogo de futebol que não imaginava qual seria, nem pelas pequenas siglas dos times que apareciam no canto superior esquerdo da tela. Viu os móveis que preenchiam aquela sala e não conseguiu reconhecer nenhum. Viu duas crianças brincando no chão e jurava que nunca havia visto aquelas pessoas na vida. Nada ali lhe era familiar. Engraçado que ele continuava a saber quem era e até o número do CPF ele poderia dizer se algum daqueles indivíduos na sala o perguntasse. Mas aquele lugar e aquelas pessoas eram, para ele, completamente desconhecidos. Colocou a vasilha de pipoca no chão e levantou vagarosamente. Balançou a cabeça duas vezes para ver se algo voltava ao normal. As crianças começaram a rir e ele se sentiu constrangido naquele lugar e naquela situação. Saiu dali e caminhou pelo corredor da casa. Tinha algumas fotos na parede, mas não reconhecia ninguém e nem onde. Chegou na porta da cozinha e pode ver uma mulher que preparava algo no fogão. Não fazia idéia de quem era, apesar de parecer ser a mesma moça da foto na praia, que tinha visto há alguns segundos.
– Já terminou o jogo? – a mulher perguntou.
Ele respondeu negativamente e entrou dentro do lavabo, vizinho à cozinha. Direto em direção à pia. Abriu bem a torneira e jogou grandes quantidades de água no rosto, esfregando bem os olhos. Não conseguia reconhecer aquele sabonete amarelo em forma de concha. Não sabia como aquele vasinho com uma margarida de plástico poderia ter aparecido ali naquela bancada de granito. Nem mesmo o seu rosto ele reconheceu, quando levantou a cabeça e olhou no espelho de vidro bisotado. Estranhou aquele cidadão que estava refletido no vidro. Tentou se lembrar da sua fisionomia, mas só lhe vinha na cabeça a imagem do Jece Valadão. Ficou em pânico total quando saiu do banheiro e aquela pessoa da cozinha o chamou por um outro nome, que não era o seu. Pôde notar que a sua voz parecia um pouco mais grave do que de costume, quando deu uma desculpa qualquer e saiu pela porta principal daquela residência, vestido com um roupão bege e chinelas havaianas azul-marinho. Depois disso, ele não soube de mais nada, apenas viu na TV do bar da esquina que o time de vermelho ganhou por 2x0 e conquistou uma vaga nas semifinais.
Leonardo Rodriguez