Minimundo

Era a noite mais quente dos últimos quinze anos. Manuela tinha a sensação de estar dentro de um forno de microondas. Sentia-se desconfortável e angustiada com todo aquele calor. Faltava-lhe o ar e suas axilas grudavam, as virilhas estavam irritadas e avermelhadas. Tinha trinta e sete anos e uma vida de solidão. Às vezes conseguia um homem e dividia com ele a cama por um, dois dias. O último bateu um recorde, ou ela bateu. Ficaram juntos por três meses. Manuela não sabia qual era o seu problema. Manuela sempre pensou que havia um problema, lembranças de sua tia Rita que não hesitava em chamá-la de solteirona frustrada. E claro, Manuela era frustrada. Sem homem. Uma mulher sem homem só pode ser uma mulher frustrada. Todos pensavam assim, mesmo as que nada diziam. Ela mesma concordava em silêncio. Suas amigas tinham sempre algum homem e por mais cafajeste que fossem, elas tinham um.
Minimundo. De repente Manuela sentiu-se presa, como se tivesse ficando louca e desesperada. Era o Minimundo. O SEU Minimundo. E ainda havia o calor infernal que inundava a cidade e o seu apartamento. Manuela descobriu-se mais solitária do que nunca, talvez por causa da onda de calor que assolava Porto Alegre. “Uma besteira o nome da cidade”, pensava Manuela. Nunca fora alegre ali, e quando passava pelo cais do porto sentia vontade de embarcar num daqueles navios e sumir daquele lugar, daquela cidade. A primeira vez que sentiu essa vontade foi a alguns anos atrás, quando observou através da janela do metrô um velho cargueiro ancorado no cais. Manuela não embarcou no cargueiro, voltou para casa e preparou um pacote de Miojo para mais uma noite jantar sozinha.
Foi o imenso calor que fazia naquela noite que lhe mostrou o seu Minimundo. Manuela sufocava e impaciente zanzava dentro do apartamento como uma barata que fora esmagada e sobrevivera. Acendia um cigarro após o outro e suspirava alto. O suor escoria das axilas e a ensopava. Sem saber o motivo, Manuela sentiu uma grande vontade de colocar o seu velho vestido cor-de-rosa que a muitos anos estava esquecido no roupeiro. Uma vontade absurda que tomava conta de Manuela como se fosse um espírito invasor que apoderava-se do seu corpo sem que ela pudesse resistir. O seu corpo pedia, sua carne pedia e desejava ardentemente o vestido. Manuela suando, quase desesperada, flutuando naquela massa quente de ar que assolava a cidade, deu uma última tragada no cigarro e esmagou-o no cinzeiro que transbordava de baganas. As pontas dos seus dedos ficaram sujas com cinza. Manuela não percebeu e ansiosa, já desesperada, saiu correndo em direção ao quarto com os braços levantados e a blusa presa ao pescoço enquanto tentava livrar-se dela estabanadamente. Parecia que sua blusa estava em chamas, queimava-lhe o corpo. Manuela entrou no quarto e livrando-se da blusa verde jogou-a no chão. Num movimento rápido, brusco e nervoso, Manuela levou as mãos a calça e para tirá-la do corpo. Na tentativa de ver-se livre da calça Manuela desequilibrou-se e tombou ao chão. Foi como se ela tivesse levado um choque, como se tivessem enfiado-lhe fios elétricos nas partes íntimas. Mas Manuela não perdeu os sentidos, ao contrário, o tombo lhe trouxe lucidez e calma.
A onda de calor que se abatera sufocava a cidade, Manuela sentada sobre o piso morno do quarto observava calada a calça arriada até o meio de suas coxas. Estava exausta, procurava um pouco de ar para respirar no mormaço do seu quarto. Manuela tombou a cabeça entre seus joelhos suados num ato de desistência, como se entregasse seu espírito depois de uma longa e árdua batalha com um inimigo superior. Estava cansada. Descobrira o seu Minimundo naquela noite desumana, em meio a onda de calor que lhe cobria as virilhas com assaduras e fazia o suor escorrer de suas axilas. Manuela despiu-se. Lentamente retirou a calça como se tira-se uma armadura incômoda. Trinta e sete anos. Estava cansada. O corpo brilhava com o suor que lhe molhavam as coxas, queimava por dentro e queimando andou em direção ao roupeiro. Nua e calma como um guerreiro samurai abriu as portas do móvel. Dançou os olhos no interior do roupeiro até encontrar o seu antigo vestido cor-de-rosa. Retirou-o calmamente e então vesti-o. Sentiu o tecido grudar-lhe na carne de sua bunda suada como um gesto obsceno. Deliciosamente obsceno e prosmíscuo. Trinta e sete anos escondendo-se da carne. Percebeu as primeiras rugas, depois vieram outras. O ventre encheu-se de chamas. Um demônio alojara-se ali com o calor. O vestido cor-de-rosa roçava suas grossas canelas. Manuela deitou-se na cama, abriu as pernas e enfiou a mão dentro do vestido por entre as coxas. Deixou o calor guiar sua mão e então sentiu o quentume úmido de sua xota entre seus dedos. Ficou ainda mais excitada e logo encharcou-se, massageou sua buceta num desespero frenético e surpreendeu-se a si mesma quando começou a soltar urros e gemidos prazerosos. O lençol grudáva-lhe no corpo, retorcendo-se como se como se esticassem os nervos. Alguns minutos depois Manuela apagou. Caiu num sono profundo envolta na onda de calor.

Emerson Wiskow

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