A Saga de Homero
A casa estava abandonada, vazia, desocupada a espera de algum inquilino, desses desafortunados que não tem onde morar e não tem argumentos para se dar ao luxo de ser inquilino numa casa decente. Ou que decente não precisa ser. Ter teto é o que basta, deixar de ser um andante, sem moradia e sem emprego, sem vida digna.
Era uma casa grande, antiga com forro e assoalho. Um porão onde era o refúgio dos moleques, escondia uma terra vermelho-rosa que a muitos anos não viu água bem diferente do que se via lá fora. Eu achava estranho. Era estranho. Como era estranho as atitudes daquelas pessoas que sem sensibilidade não olham para o próximo.
Transgredi violentamente as teias de aranha que sem intenção fechavam meu caminho. Eu, como um grande guerreiro ia com minha espada na mão. Um pequeno canivete, surrupiado do baú de tranqueiras do meu avô. E como habitantes da casa, reclamando da invasão repentina encontrei alguns ratos, baratas e moscas, seriam seus inquilinos mais ilustres. Duma casa que possivelmente fora outrora recantos de amores possíveis e impossíveis. Quem é que não sonha olhando o horizonte da janela com amores impossíveis?
Dois metros adiante, atrás de uma porta rústica vermelho-desbotado, um quarto, pelo formato e pelo tom escuro-solitário parecia o refúgio do sono e dos sonhos e também dos desejos da carne. No fundo, encostado na parede, alguns sacos, formando o que possivelmente servira de cama para algum transeunte marginalizado pelos olhares desprezíveis de uma sociedade que se julga acima de qualquer pecado. Alguns tocos de velas, indicando que quem ali pousou necessitava de luz. Luz para se ver e para guiar na tempestade de pensamentos pessimistas que aflige os flagelados pela onda da ganância capitalista que não sabe repartir. Noutro cômodo que pelo cheiro de sabão parecia uma dispensa. Havia algo que demonstrava alegria e vida naquele casarão em que tudo parecia fúnebre e morto, apesar dos insetos e roedores que ali viviam. Alguma coisa que, pela cor e pelo cheiro, poderia dizer que viver ainda é possível. Um cacho de banana pendurado bem no centro do cômodo. Estava com frutas maduras ,! bem apetitosas. Talvez algum desses desafortunados que por acidente tenha dormido aqui, deixou para o próximo andante, demonstrando que entre os marginalizados existe a preocupação pelo próximo. Devorei algumas frutas para saciar a fome e a gula. Retornei ao quarto, preparei os sacos e dormi. Sonhei como se fosse dono do casarão, rico e garboso, como sonham todos os que nascem pobres.
Valter Figueira