Cinzas
Quando se conheceram, encantaram – se um com o outro. Ela lhe parecera quase perfeita, ele o príncipe, herói das esperanças. Ela era alegre e efusiva, ele sisudo e triste. Se completavam, pensava sonhadora. Quando ela borboleteava no deslumbramento do encontro ele a olhava admirado e surpreso. Vestia o amarelo do mais dourado dos sois, enfeitava os olhos com o verde mais recôndito da floresta e saía, flutuando, para encontrá-lo. Ele se assustava um pouco com todo aquele brilhar e sorria, contrafeito. O riso dela tilintava, as palavras cantavam e os movimentos lhe fluíam pelo corpo tal um balé de garças em vôo.
Os dias foram correndo, o amor crescendo mais e mais; ela mergulhando no desejo dele até o momento em que se sentiram um só. Aí, ele pensou, já podia moldá-la.
A cor dos cabelos o incomodava um pouco, pediu que clareasse; que tal abandonar o batom vermelho e guardar esses brincos balançantes? Ela assentia, cordata. Quando ele lhe sugeria que não alteasse a voz, ela falava aos sussurros, sempre lhe bebendo as palavras, apaixonada. Andava semi nua pelas salas até a noite em que ele chegou, persuasivo, com enormes caixas e trocou os vestidos luminosos e leves com os quais ela flutuava, por alguma coisa mais sóbria e pesada. Sem pressa, ele lhe aparava as asas, mudava o passo e modulava o canto. Depois de algum tempo ela já não o esperava como antes, substituiu o jazz por outra coisa melancólica qualquer, passou a pisar leve e sem ruído, criou a penumbra nos quartos antes ensolarados e, qual Galactea, ia se transformando e girando enlouquecida em torno dos caprichos dele. A cada dia ela transmutava um pouco, perdia o riso, e o verdor dos olhos; foi guardando o passado no sótão, junto com os vasos coloridos, as cortinas estampadas e o! abajur lilás. Ainda sorria quando ele entrava, mas a cada dia o sorriso era mais cinza, mais sem cor e tão transparente, que acabou por se confundir com os moveis e utensílios.
Uma noite, quando ele chegou, a casa lhe pareceu vazia. Perambulou pelos cômodos chamando por ela; foi quando ele percebeu a sombra se aproximar e sentiu o perfume. Tentou tocar, mas ela se desvaneceu em cinzas ...
Vera do Val