SUPÉRFLUOS
Ela passava dos 70, ele dos 80. Depois do café, se não estivesse chovendo, desciam da cobertura para uma caminhada pelo calçadão.
Ela, passo firme, ia à frente: loira, maquiagem leve, sem rugas nem expressão. Pela coleira, levava Rick: um poodle toy branquíssimo, limpíssimo, cheirosíssimo, coquetíssimo.
A uma pequena distância, que aumentava gradativamente, valendo-se do auxílio de uma bengala, seguia o marido: cabelos branquíssimos, acabadíssimo.
Naquela manhã meio embaçada, completado o trajeto rotineiro, com Rick ao colo, ela atravessou a rua e retornou ao apartamento, deixando a porta encostada para que o marido entrasse sem a incomodar.
Subiram para o terraço. Ela se acomodou na espreguiçadeira e abriu a revista semanal de futilidades, enquanto o cãozinho se distraía entre bolinhas e mordedores. Entediada, cochilou.
Despertou, assustada, com o telefone tocando insistentemente.
Era do hospital público para onde seu marido havia sido removido
em virtude de um atropelamento. O estado dele inspirava cuidados. Necessitavam, com urgência, da presença de um familiar.
Afagando o cãozinho, a mulher desligou o telefone e voltou para a espreguiçadeira.
No livro de registro de comunicações do hospital, a seguinte anotação: família comunicada; esposa aguarda a chegada da acompanhante do Rick (neto?).
Rosane Coelho de Oliveira