O Dente Cariado de MonaLisa

A professora Gioconda vivia prometendo levar seus alunos ao museu. A classe de Gioconda era a mais endiabrada. Gioconda sabia como acalmá-la. Chegou o grande dia. O ônibus amarelo na porta da escola. Um após outro, em fila indiana, os discentes da professora festejaram o dia de aula longa da escola
                                            engarrafada
                                                                a rua principal da cidade grande há muito transformara-se em uma feira ao ar livre. Vendiam-se picolé e água mineral. O trânsito parado. Vez ou outra, assaltantes de bicicleta levavam as bolsas ou a vida dos motoristas descuidados com o braço de fora da janela de seu auto. Gritos. A momentânea revolta convencia-se ser tudo natural, segundo a programação hospedeira da mídia
                                                                                                                                                                             glaucoma
                                                                                                                                                                                              na Prefeitura, prisioneira da Lei de Responsabilidade Fiscal, não mais sabia o que fazer; se corresse, o erário lhe segurava, e se ficasse, o erário lhe pegava pra judas em sábado de aleluia no Tribunal de Contas. Então? Contratara os maiores especialistas no mundo da arte a peso de chumbo. Umas verbas andavam perambulando nos cofres do município e a Prefeitura resolvera gastá-las, no museu de uma ONG do amigo do prefeito, com uma exposição dos maiores artistas do milênio passado: de Salvador, Surrealismo; Cubismo, de Picasso; arte naïf, dos hospícios; Os Girassóis, de Van Gogh; de Da Vinci, MonaLisa... O ônibus amarelo estacionara em fila indiana, as diabruras de Gioconda foram sendo devoradas através dos portais do museu de artes. Querendo saber? Fazendo perguntas? Por quê? As crianças apontavam os quadros, esfregando os dedos nas pinturas. Quedaram-se algumas diante de MonaLisa, Gioconda segredou-lhes que aquela mulher tinha um sorriso do pintor que a fizera na época do descobrimento do Brasil enigmático. Enigmática pintura feminina assim com um quase sorriso para esconder, na verdade, um dente cariado. Os alunos de Gioconda apenas pararam de rir quando um deles tocou a boca de MonaLisa e ficou sem a mão: a mulher pintura, súbito, abrira a boca e quase engoliu o braço do curioso.

Marcello Rcardo Almeida

Do livro: "O dente cariado de Monalisa", Ed. Literatura em Santa Catarina, 2005, SC

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