Stefanie, a vida é surda
Uma porta que bate, despertador, sino que toca ao longe.
Outra porta, sussurros, palmas, um grito na rua, carros espirrando água, buzina tardia, o reclamar de um bêbado no túnel solitário.
Molas da cama rangendo, o suave ressonar interrompido, ruído melancólico de pés nus batendo no chão, passos sobre o tapete.
O leve rangido da porta do banheiro, a descarga cortando toscamente o silêncio vago, água escorrendo na pia.
Mais água, som de chuveiro, o escorrer úmido no corpo nu, porta, passos, um leve friccionar de toalha ao lado do meu desmaio.
Novos passos, a seda sobre a pele, arquejar sutil, meias roçando carne, quase impossível perceber, o tecido escorrendo, encaixar seco de sapatos, plec plec de saltos sobre o tapete, muito leves.
Fricção de escova em cabelos, uma, duas, cem vezes. Tilintar de objetos, um zíper se abrindo, o suave murmúrio do baton nos lábios e do lápis no olho. Zíper outra vez, passos próximos da minha morte matinal.
Um suspiro cansado, leve toque de dedos na mesinha de cabeceira, farfalhar de notas, novo suspiro profundo, tlec na bolsa.
Passos, chave girando, porta se abrindo.
A música no corredor – plec, plec plec
Um marulhar vago pela janela até meu enterro na madrugada.
O ruído de um carro que chega, pneus que rangem ao estacionar bruscamente, uma porta que bate.
Tiros
A vida é cruel, Stefanie.
Maria Helena Bandeira