SOLIDÃO EM COPACABANA
Do alto da janela do seu quarto na Avenida Nossa Senhora de Copacabana espionava o vizinho sempre que a noite caia. Não entendia o que fazia aquele desconhecido do outro lado da rua. Maria Cleuza era assim, inquieta, curiosa, desde seus tempos de menina quando morava com avó no Catete. Ao cair da madrugada perdia o sono e vigiava a vida dos moradores de Copacabana. Não suportava a idéia da solidão da noite...
Assim começou o hábito de cuidar da vida dos vizinhos e dos amigos. No cair da noite, no silêncio da madrugada pegava o binóculo e procurava entre as janelas expostas do prédio em frente. Quem estaria acordado? Quem estaria amando? O passar das horas era insuportável. Os minutos, os segundos, a solidão, o silêncio, as dúvidas, tudo desgraçamente cruel. Bem em frente a seu quarto olhava um jovem casal que fazia amor diariamente às duas da manhã. O amante chegava a casa acordava a mulher com beijos e pouco a pouco iam rolando pelo chão, o que excitava muitíssimo Maria Cleuza.
No prédio da esquina observava a vizinha que dormia nua sobre lençol de cetim, sentia inveja porque seus lençóis eram simplesmente de algodão. Nem bom, nem razoável... Um lençol simples. A vida de funcionária pública era entediante. Era apaixonada pelo chefe, masturbava pensando nele, tinha sonhos com ele e esperanças que um dia aquele homem superior deixaria a esposa para ficar com ela. Romântica sim. Seus planos de mocinha sempre fora de encontrar um Príncipe, como costumavam acontecer nos filmes da sessão da madrugada. Sua vida não foi o que pensava. Aos trinta e sete anos ainda não tinha curso superior, nem um grande amor, não plantou nenhuma árvore e não teve nenhum filho, essas coisas que as pessoas afirmam ser fundamental na existência.
Que destino cruel, pensava. Tornou-se agnóstica com o tempo.
A dor da vida, as perdas, as angústias e as faltas de respostas a secaram por dentro.
Com o passar dos anos aprendeu a ter medo... Muito medo.
Acompanhava o noticiário na TV e ficava estarrecida com tanta violência, então parou de falar com os vizinhos. Não cultivava amizades, pois tinha medo de traição. Assim como não suportava a idéia de casamento pelo medo da perda.
Nascer dói, viver dói e morrer também dói. Não suportava mais viver nesse mundo, não aceitava a idéia da solidão, do vazio, do nada, da parte que não veio, do sonho que não realizou, do filho que não nasceu, do abraço que não recebeu, das palavras que não disse ,do gesto que não aconteceu, a carta que não escreveu ,a viagem que não fez ,o livro que não publicou, o homem que não amou. O melhor que a vida ofecereu... Não restava outra saída, não tinha outra solução. Entrou no quarto, abriu a janela. Do alto do prédio, podia avistar as pessoas na rua como formigas... O vento dançava entre seus cabelos. Se ela se atirasse do décimo oitavo andar, não faria nenhuma diferença para aqueles estranhos passantes... Seria mais uma, comentariam os desconhecidos na rua.
Mas não tinha outro jeito colocaria um tapa-olho para não assistir a queda. Foi até o armário para pegá-lo, foi então que achou um recibo de compras da C&A. Mudou de idéia. Podia ser louca, mas não desonesta e por isso não podia morrer. Se for para morrer que fosse de maneira decente como sempre fora durante toda sua existência. Devendo, não!, ela não morreria...
Francisco Malta