... SIMPLESMENTE ANJO

          Não é tão simples assim. Não é mesmo. O amor, quando surge, parece um vulcão em erupção. Furiosamente cospe fogo para todos os lados. E, tal qual um dragão, arrasa tecidos, músculos, vísceras e tendões.
          Saudade! Quanta saudade de minha vidinha pacata e sem emoções!
          Neste exato momento estou pensando NELA. E um arrepio de excitamento flui por todos os meus poros... E um desejo embriagante percorre todos os milímetros do meu corpo.
          Ah, quanto furor em minhas mãos! Vejo-as independente do meu sexo. Minha imaginação coordena seus movimentos. De forma até grotesca e, em certo sentido, hilária, o meu “soldado” aperta o gatilho. Alvo certeiro! Comemoro a façanha tomando uma ducha quente reconfortante.
          Ouço o novo CD da Cher. Envolvente e dançante, irriga a minha fantasia e alivia a ansiedade. Believe... Demais este música!O som, envolvente e leve... Vislumbro a silhueta do meu anjo... Linda... Envolta em seda púrpura transparente... Que droga! Nova estratégia de batalha tem início. O meu “soldado” adora uma “guerra”! ...
          Eu ainda serei preso ou internado em um hospital para doentes mentais. E, pior, levado em uma camisa de força... Ou esmagado pela minha incessante imaginação fértil e doentia...
          “Caio, acorde, meu bem!” Ouço uma voz feminina sussurrando em meu ouvido esquerdo.
          Merda! Mas... Que merda é essa? Onde estou? Não lembro. Minha mente está embotada. Puta que pariu! Devo ter bebido excessivamente!
          Estou sentado na cama. E uma estranha ao meu lado. Relanceio os olhos pelo recinto. Estranho. Muito estranho. Não o reconheço. Olho para mim. Que... que roupas são essas em meu corpo? Meus olhos enxergam a figura ao meu lado. Eu a fito, profunda e indagadoramente. Raios e trovões! Onde estarei?
          A sensual mulher mordisca os lóbulos da minha orelha. Um calafrio quente e gostoso arrepia os meus pêlos. Joga-me de volta à cama. Beija, com sua língua quente e visceral, os meus mamilos. Estarei no inferno ou no paraíso? É a primeira mulher q beija os meus mamilos. E, confesso, sinto um prazer nunca sentido antes. Um pensamento perpassa o meu cérebro qual relâmpago: estarei morto?
          Olho mais uma vez para a minha indumentária. Totalmente inusitada. Nem em sonhos ou pesadelos a teria imaginado ou mesmo confeccionado ou mesmo usado. Descrição? Vou tentar. Material? Papel! Simples e prático papel... higiênico! E, pasmem! Papel higiênico usado!
          Alguns segundos de silêncio mórbido. Pareço um morto-vivo totalmente... vivo. Pelo menos acredito que estou vivo. Ou não?
          Minha língua explora grutas e cavernas ainda não exploradas. Uma mata totalmente virgem, sem ação de nenhum homem... ou mulher. Minha língua suga, com volúpia e delicadeza, montes, montanhas, fendas... E o gêiser que jorra inunda o meu ser pateticamente romântico.
          Mais uma vez relanceio os olhos pelo recinto. E, novamente, constato estar em um ambiente novo. Novo e... apavorante!
          Que mulher será esta? Aprisionou-me em um cárcere de mel e fel. Será o meu anjo? Ou simplesmente um demônio de mulher brincando com os meus sentimentos? Mas, que diabos! Serei eu ou não um homem moderno, civilizado e educado para “comer” todas as mulheres? Que merda está ocorrendo comigo? Essa vulnerabilidade toda... cacete! Não é papel de macho! Macho não ama! Macho trepa e pronto! Ou toca uma sonata à punheta... Bela sonata solitária...
          Abro os olhos novamente. O mesmo recinto, escuro e estranho. Estou morto. Tenho certeza. Só pode ser isso. Morri.
          As minhas pupilas vislumbram belas mulheres. Cada uma com as suas características particulares. Mas, mesmo assim, belas e sedutoras mulheres. Aliás, toda mulher é bela, todas elas possuem um quê particular, só delas. Imbecil aquele que não capta essa essência feminina magnificente... Toda e qualquer mulher é bela por si mesma. Ou serei eu um macho em extinção? Um macho-fêmea em desequilíbrio com a natureza?
          A claridade abrupta fere os meus olhos. Pisco sem parar por uns três minutos. Pela janela do meu quarto os raios solares perpassam. Sou lento. Muito lento. O meu cérebro não está programado para pensar rapidamente. Tento assimilar o momento presente. Demoro uma eternidade. Estou só. Em minha cama, enorme e confortável, sempre só, solitário e incompreendido. Mas...
          E aqui estou eu. Só. Imensuravelmente só. A solidão dói. Arranca pedaços. Extirpa órgãos e pensamentos. Na imensidão deste planeta desértico e imensurável, eu estou nele. Com meus pensamentos e lembranças... Estou nele.
          E, como macho da raça humana, entorno a garrafa de gim. Bebo sem parar. Pensar pra quê?
          ... Simplesmente anjo...

Leila Cristina Carvalho

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