Ana Clara

Ericéia tricotava na varanda. O casaquinho amarelo-claro que fazia tinha um significado especial. Quando em idade madura, com cinco filhos, uma conhecida lhe disse que abortaria por não ter condições financeiras para ter o bebê. Sem titubear, Ericéia pediu que não o fizesse, que esperasse, pois trataria de encontrar quem o assumisse.
O tempo passou e ela sentiu o quanto era difícil cumprir o prometido. Após o nascimento da criança, levou-a para casa, cuidando dela carinhosamente, mostrando-a aos amigos em quem confiava, na esperança de que a adotassem. Ninguém quis saber de tamanho compromisso.
Após cinco meses, a criança foi adotada com o nome de Ana Clara, por sugestão dos filhos de Ericéia, encantados com o novo ser que agora era parte integrante da família.
Ericeía tricotava, pensando no passado e nas várias fases de Ana Clara, até que parou para refletir sobre o momento atual. Ana Clara estava grávida, aos 16 anos. Um baque. Ana sempre se destacara na escola, em atividades extra-curriculares, e tinha excelentes planos para o futuro. Como acontecera o fato? Não tinha namorado, o que tornava o fato ainda mais intrigante. Sua vida era muito simples, sempre acompanhada pelas amigas, pais e irmãos.
Durante a gestação, fez normalmente o pré-natal e, apesar das inúmeras tentativas para se saber sobre o pai, ela se recusou terminantemente a fornecer qualquer informação. Ameaçava, inclusive, abandonar as consultas e a própria família, dizendo que sairia sem rumo pela vida. Nessas horas, ela se transformava, ficava agressiva, mas depois, sem a pressão, voltava a ser a Ana Clara de sempre.
Tudo isso angustiava Ericéia intensamente. Sabia que algo incomum ocorria.
Quem era o pai da criança? Essa pergunta martelava sua mente noite e dia.
Voltando ao passado, refletiu sobre o erro que cometera ao ter saído de onde morava, vindo para outro estado, ocultando até hoje o fato de Ana Clara ser filha adotiva. Por vezes, sentia medo que ela descobrisse e passasse a odiar a família. Ultimamente, devido à gestação, já no oitavo mês, Ana andava um tanto cansada, e até para ir à escola fazia corpo mole. Quase não conversava. Ficava no seu canto descansando, às vezes parecendo divagar....
Quando as contrações começaram, foi levada a um hospital nas proximidades, e teve parto normal. No dia seguinte, à saída, surpreendentemente entregou o bebê à chefe do Serviço Social, dizendo que não tinha condições psicológicas para ficar com ele. Negou-se, inclusive, a amamentá-lo. Os pais, estupefatos, não sabiam o que fazer, pois haviam dado a ela todo o suporte durante o período da gravidez. Ericéia perguntou a razão de ela não querer o filho. Chorava e tremia. Ana Clara, com firmeza, disse: — Estou certa de que, como eu, encontrará uma família, mas peço a Deus que nunca tenha que conviver com mentiras.

Num canto, nervoso, Nestorzinho, o irmão mais velho, dizia intimamente: — Que merda! Com tanta mulher por aí, fui logo cismar com Ana Clara...

Belvedere

« Voltar