quando ela passa
Manda buscar. Ainda tinha um tantinho de azul no fim de tarde quando ela passou. Terrível, terrível mesmo. Toda aquela beleza, só dela, apenas dela. Hipnotizado, de amores mais ainda, eu queria... Ainda quero, anda. Parado completamente, sorrindo sozinho, nessa solidão que não me abandona. Ele dizia e eu sem ouvir, irritado, muita coisa. Sempre no mesmo horário, suava frio às vezes. Sai logo desse banheiro, garoto! Aliviado, precisava bater uma pelada. Nenhum gol hoje, irritado, pouca coisa. Via a vida por uma ótica deformada, o espelho quebrou-se faz sete anos. E até agora nada. Cadê ela? Cadê? A escola, as escolhas, o recolhimento nos livros, mais uma nota dez e daí? Há famas e famas. Às vezes ela não aparece, e eu com isso, quem liga. Talvez, bem, deixemos os talvezes de lado, as filosofices acrescentam nada, somente sofro. Terrível, terrível mesmo. Como quero, como... Ninguém, quem ousaria entender? Quem? Nem eu, nem... Não canso de contemplar a lua, horas e horas, viagens, tantas que canso, quanta confusão passei nas enormes crateras, nos mares de pó, chutei a bandeira pra longe, cavalguei com São Jorge e salvei a donzela, que ao menos me olhava nos olhos, mesmo ela nem um beijo, o código, filha de El Rei, muito respeito. Venta pouco, essa brisa leve refestela minha face, dá sentido a lágrima que desce solitária, essa solitude é mais que minha amiga. Porque meu pai partiu tão cedo, enganando-me, holograma apenas, e disso não passa mais. Cá comigo, vez em sempre, divago sobre ser pai e sobre ser filho, no que serei melhor, serei... Esses delírios de lua cheia do qual falei, já acampamos juntos por lá, foi bom, o que eu nunca tive, por lá tenho a mulher que quero, mas se for filha de El Rei, respeito, muito respeito, não se trai os amigos. Esse mundo de areia, o horizonte se perde na negritude, o azul se foi de novo, esses matizes antes do adeus são lindos demais. Apenas um beijo, mas ela escolheu outro caminho, só pode ter sido. Saudades, de olhar apenas, mas talvez isso baste, esqueçamos os talvezes. Sentir o balanço das madeixas, dos quadris, tudo a enfeitiçar. Não me olha, não me olha. Já foi buscar? Acho que é disso que eu preciso. Ir.
André Salviano