Bus & City

Ao meio-dia a quarta-feira está apagada e ninguém percebe, ninguém escuta o seu silêncio, todos estão surdos. Tão surdos quanto cegos. Decalques doentes pelas curvas do país. O ruído dos seus passos ensandecem a poesia, dentro de uma roda cultural ao meio-dia. Tudo é agonia quando o som mergulha na surdez. Os edifícios brotam do cimento como árvores doloridas, perdidas nas ruas e nas portas abertas. É uma cidade bonita de se ver, se você não tiver nada melhor para fazer e puder despender um pouco do seu tempo com vitrines repletas de roupas e sapatos. As pessoas costumam gostar, elas param e admiram os manequins enquanto os chapéus sufocam as suas cabeças, esse tipo de coisa. Talvez amanhã as ruas sejam outras e os pássaros já não voem ao avistar um ônibus cruzando a rodovia. Quando isso acontecer o sol vai sair detrás da montanha, e cantar para o dia como os namorados de fim de semana que assombram as noites da metrópole.

    Um dia estranho para se escrever, esse aqui, mas eu persisto, dentro de um moletom universitário, numa tarde rubra, e me deparo com textos sonoros. Pois é somente isso o que sei escrever, textos sonoros. É somente o som que me importa. O som dos hospitais ao cair da noite, o som do beijo nos lábios virgens, o som do ódio perdido dentre galáxias escuras, o som da natureza desaguando no meu telhado, o som dos meus dedos, dedilhando a loucura e o medo e a vida, o som da vida, no canto dos pássaros morrendo e nas buzinas desesperadas, o som das meninas, caminhando para casa, o som da morte destronando o amor, o som das folhas secas sob os meus pés, o som das risadas dos meus amigos, melhor do que qualquer coisa, e o som do nada, que aguarda paciente nas esquinas. É, esse é mesmo um dia estranho para se escrever...somente assuntos estranhos, assuntos que desafiam a dissonância...que me desafiam...e eu perco a batalha... eu perco feio.

Daniel Frazão

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