CAFÉ COM POESIA

Caminhando distraída pela rua dos Andradas, mais conhecida como Rua da Praia, não reparei, imediatamente, na figura que, de uma forma extremamente carinhosa, olhava para mim. Aquele rosto alegre era quase um ímã. Não pude ignorá-lo.
— Meu Deus! Não é possível!-falei, quase num grito, tamanho foi meu espanto.
Seu olhar tornou-se duro. O rosto crispado. Furioso por minha desconfiança
— Como, não é possível? Estás pondo em dúvida minha identidade?
— Não, imagine! balbuciei, entre nervosa e encantada. É que...
—...morri? É isto?
Sorriu novamente ao sentir o quanto eu arregalava os olhos e tremia o queixo, sem controle.
— Acalma-te, moça.Vamos sentar um pouquinho. Precisas de um copo d'água.
— ... com açúcar, de preferência — completei.
—Eu prefiro que seja em um lugar muito conhecido e aconchegante para mim.
Dizendo isso, ofereceu-me o braço e eu, como uma autômata, o segui.
Chegando ao Cataventos, no térreo da Casa de Cultura, lançou-me um olhar inquiridor e, ao mesmo tempo, triste. — Me acompanhas? perguntou, parecendo temer uma resposta negativa.
Não articulei palavra. Somente acenei com a cabeça, de maneira afirmativa e consegui sorrir, muito sem graça.
Incrível o poder daquela criaturinha magra e miúda. Em poucos instantes eu me sentia completamente à vontade em sua companhia, como se fôssemos íntimos amigos que se reencontravam após uma longa e saudosa ausência.
O mais incrível foi a naturalidade com que ele entrou no bar, cumprimentou a todos e dirigiu-se a uma das mesas, onde, muito gentilmente, puxou a cadeira para que eu sentasse e tomou o seu lugar.
A ssombrada, não conseguia entender como aquelas pessoas todas, ali, não demonstravam a menor surpresa diante de sua aparição. Sua presença, apesar de ser muito festejada, era tida como normal. Cliente costumeiro. Gente da casa.
Será que estava louca? Ou isto tudo era apenas um sonho?
Mas, não. Tudo era muito real.
Não precisou sequer fazer o pedido. O garçom, após nos receber, dirigiu-se ao balcão e providenciou o costumeiro cafezinho, acompanhado por deliciosos quindins e, obviamente, um cinzeiro.
— Estou de regime, disse-lhe, sorrindo.
— Hoje não estás, não. Recomeças amanhã.
— Por favor, explica-me, de verdade...
Com um gesto, interrompeu-me, dizendo: "Venho do fundo das Eras. Quando o mundo mal nascia... Sou tão amigo e tão novo, como a luz de cada dia!"
Não havia mais espaço para dúvidas. Eu estava sentada, tomando o famoso café com quindins, e conversando animadamente com o meu adorado Quintana.
— Meu Deus! Quanta falta nos fazes, meu amigo.
— Não. Cumpri a minha etapa, falava, enquanto acendia um cigarro.
Perguntei-me, íntima e silenciosamente, o que teria feito para merecer tal privilégio, tamanha alegria?
Adivinhou meus pensamentos.
— Não te questiones quanto a isso. Eu, simplesmente, não gosto de tomar café sozinho. Já tive muitos momentos de solidão, em vida. Agora, desfruto sempre de alguma boa companhia, quando venho até aqui.
Um gole de café, um pedaço de quindim... e mais um cigarro.
Aproveitei, então, para agradecer-lhe por tudo o quanto deixara de bom para esse mundo.
— Tuas poesias encantam a milhares de pessoas. São sementes que brotam e dão frutos sem parar. És amado e cons...
Novamente o gesto com a mão, fazendo-me calar.
— Teu café vai esfriar. E, se não gostas de quindim, não faças cerimônia. Pede o que mais te agradar. Além disso, meu tempo é curto. Hoje é quarta-feira, não? Tenho apenas mais uns dez minutos.
Entre quindins, cafés e cigarros, os instantes voaram e, com tristeza vi que levantava e achegava-se a mim, beijando, carinhosamente o meu rosto, em sua despedida.
Não pude conter as lágrimas.
Foi se retirando, sorrindo, acenando e, apesar da distância, ainda pude ouvi-lo: “As mãos que dizem adeus, são pássaros que vão morrendo lentamente..."

Tania Melo

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