Improvável
Você abriu a porta de repente e entrou, como se tivesse saído instantes antes e percebido que havia esquecido alguma coisa, coisa que sempre acontece. Mas não, você chegou tarde e abriu a porta de repente, como se tivesse estabelecido a hora exata, como se segundos fora pudessem testemunhar prós e contras à sua chegada. Você abriu a porta de repente e entrou e quando olhou para mim, despencou-se a razão junto ao susto quando, tão de repente quanto à abertura da porta, nossos olhos cruzaram um limite indelével, num caminho improvável. Você abriu a porta de repente e entrou e me assustou, como se eu não tivesse ouvido o barulho do motor do carro, dos seus passos nos degraus da escada, da chave rodando no tambor da fechadura e da maçaneta, feito um gatilho, abrindo a porta de repente como um tiro, como se você não soubesse que eu estaria lá, alvo fixo na alça de mira, lá, estirado no sofá, insone, em profundo desagrado comigo mesmo por não ter ido, por nunca ir, pela infidelidade ambígua aos fantasmas que sempre me evocam e se tornaram meus amantes. Os fantasmas... Mas você abriu a porta de repente e entrou e também se assustou, fruto dessa maldita culpa que carregamos, impingida há séculos, uma herança tão bem forjada que, por mais que a contemos, escapa pelos poros e os olhos denunciam.
Sidnei Olivio