IFIGÊNIA
Quando D. Ifigênia morreu foi um espanto. Toda a família levou um susto. A pobre Ifigênia, como a chamavam, na verdade, era uma bela fachada. Passara os últimos quarenta anos de vida de casa para a igreja e da igreja para casa. Quem chegasse, fosse que hora fosse, a encontrava de terço na mão, com aquele sorriso beatífico dos que vivem em comunhão constante com o lá de cima. Os mais pecadores corriam dela como o diabo da cruz Arre que suportar a velha era coisa só para santo mesmo. Ficara rabugenta com a idade. Na mocidade, diziam que tinha sido uma beldade. Não casara, ninguém sabia o porque. Desde que o pai morreu tinha morado sozinha e disso não abria mão. Quando Izilda, a irmã, ficou viúva, insistiu. Mas debalde. Efigênia gostava daquela vida solitária. Ao completar oitenta anos estava quase cega e surda; os sobrinhos tinham posto uma enfermeira mas era um Deus nos acuda. Nenhuma agüentava a velha. Morreu logo depois disso, para alívio geral.
Dela se sabia pouco. Mesmo para a família sua vida sempre fora trancada a sete chaves. Nas suas noites de bebedeira Odorico, o cunhado falecido, destravava a língua e gostava de lembrar da Ifigênia do passado. Dizia que era bonita, e que de santa não tinha nada. Virgem? Ele virava os olhos e ria. Mas ficava por ai. Isilda bem que tentava arrancar mais alguma coisa mas o marido se fechava em copas.
Agora que morreu, depois do corpo enterrado e a alma bem encomendada, os sobrinhos foram fazer o inventário dos guardados. Não demorou muito para acharem o baú, enfiado sob a cama. Foi preciso arrombar.
Lá dentro embrulhado em seda esgarçada e puída encontraram a verdadeira Ifigênia. Fotos e cartas, bilhetes, vestidos alegres e um perfume envelhecido e barato. Um diário carcomido e de há muito abandonado. Ali estava a história toda. A história de uma mulher fogosa que saía escondida todas as noites e ia dançar no cabaré mais distante. Fifi era o nome de guerra. Fifi, a dançarina mascarada. Tinha sido famosa, a cidade toda a conhecia. Tornara-se uma lenda. Dizia-se que entre as coxas roliças de Fifi estava o paraíso. Muito homem de família passou por ali e ela sempre se vestindo de encarnado e usando máscara de veludo negro. A lista de nomes no diário era infindável.
Um dia sumiu, nunca se soube o paradeiro. Desapareceu como veio, sem alarde.
Amarrado com fita dourada havia um maço de cartas e fotos. Todas de Odorico, o cunhado.
Vera do Val