PERFEIÇÃO
Dia após dia meu caminho é sempre o mesmo:
Acordo, escovo os dentes, me troco, tomo um café rápido e saio pra rua.
O trajeto precisa ser rigorosamente o mesmo, sempre!
Cada passo dentro de cada quadro de cada calçada no momento exato, a quantidade de passos e o tempo gasto para atravessar a rua precisam ser exatos, nenhum carro pode atrapalhar.
Olhar sempre para frente. Sem encarar ninguém (seria perda de tempo os cumprimentos), só vejo a frente, o futuro.
O compasso dos passos seguem as batidas do coração e os segundos do relógio. Tudo calculado e planejado.
Como a vida assim é perfeita!
Tenho exatos 30 minutos para terminar meu trajeto e estar de volta ao portão de minha casa.
Atravesso ruas, avenidas, passo com passos ligeiros e em compasso com o coração, na frente da casa de número 3030, adoro este número!
3030!
3030!
3030!
Até a próxima rua o som do “3030” conduzirá a velocidade de minha caminhada!
3030!
3030!
3030!
Ufa!
Terminou!
Estou chegando até a metade da minha caminhada, a grande estátua do homem sobre seu cavalo.
Mas a estátua não é importante, importante é a quantidade de pombos sobre ela.
Um, dois, três, quatro, cinco!
Perfeito!
5 X 6 = 30
Ontem foi mais difícil, fiquei com medo de me atrasar, tinham 7 pombos, então ficou assim:
7 X 3 = 21 + 9 = 30
Lindo! Adoro 30!
Agora exatos trinta passos para contornar a estátua e voltar. Não posso espantar os pombos, falando baixinho agora:
30!
30!
30!
Volto pela outra rua e já na primeira calçada vejo o número do prédio:
9356
9 + (3 X 5 ) + 6 = 30
30!
30!
30!
Tudo perfeito em meu dia perfeito, 30 passos em cada quadra até chegar ao semáforo e ele estará aberto.
Perfeito!
Atravessando a rua.
AAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!
(silêncio)
— Senhora, não se assuste! Está num hospital, foi atropelada e desmaiou.
— Doutor, doutor, por favor, me diz! Me machuquei muito?
— Um pouco, a senhora teve um corte um pouco feio na perna e precisou levar uns pontos e o braço trincou em dois lugares.
— Doutor! Pelo amor de Deus! Me diz! Quantos pontos?
— Deixe-me ver aqui no seu prontuário.
— Diga logo doutor, minha vida depende disso! Diga!
— 29 pontos! Isso! A senhora levou 29 pontos!
— Nããããããããããããããããão!
— Doutor! Conte direito! Não pode ser!
— Tenho certeza! Foram 29 pontos na perna direita e 1 no pé!
— Um no pé doutor?
— Sim, um no pé!
— Vivaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa! 29 + 1 = 30
— A senhora está de alta. Alguém vem buscá-la?
— Não senhor, espere 15 minutos. Sairei as 10:30 h.
— 30!
— 30!
— 30!
Vera Vilela