A caça
Logo amanheceria. Olhando o céu ainda violáceo, rumei para a praia, disposto a dialogar com o sempre vasto e misterioso mar.
Como viera parar em Ipanema, àquela hora?
Lembro-me apenas de que havia tocado guitarra na banda do Rocha, que havia bebido cerveja, que havia beijado uma menina e que havia pegado um taxi.
Agora estava ali, diante do mar. Solidão com solidão. O peito doendo de amores mal resolvidos, conflitos, decepções e medo. Medo de ficar só. Medo de não crer mais no amor. Tendo percorrido uma longa estrada sob a poeira, só me restava -de concreto -a solidão.
Por que as mulheres me deixaram? Toquei na minha roupa, o velho jeans; era verdade, eu estava vivo ainda. Havia sobrevivido a mais uma paixão. Sorri como um idiota -mas o peito doía como se houvesse sido esfaqueado.
Novamente eu estava em busca de um destino -ainda que fosse a morte. Por isto caminhava pela areia, buscando a solidão (ou fugindo dela?).
Avisto ao longe um grupo de seis pessoas, formando uma roda perto da praia. Entoavam um cântico estranho. Aquilo devia ser algum ritual mágico. Seriam loucos? Senti um certo medo, mas resolvi encurtar a distância.
Fui avistado por uma mulher, que parecia liderar o grupo. Seu olhar, desafiante e provocador, cruzou com o meu, num desses cruzamentos inevitáveis do destino. Enquanto jogava-me com as mãos um punhado de areia, disse:
-Ninguém se aproxima daqui à toa. Pode chegar.
Pegou-me pela mão, puxando-me para a roda. Eram quatro homens e duas mulheres. No entanto, aquela mulher parecia reinar soberana sobre todos nós. Tinha ela, além de forte personalidade, uma beleza indiscutível.
O grupo olhou-me com uma mistura curiosa de indiferença e acolhimento. Assim que me pôs na roda, a cigana largou minha mão, lançando-me um olhar carinhoso, e retomou ao seu lugar. Seria um ritual de solidariedade?
Cantei com o grupo até o dia amanhecer. Antes, porém, que a praia começasse a lotar, resolvi sair, para guardar na memória apenas aquela cena mágica. Cumprimentei a todos individualmente, com gratidão. Depois, dirigi-me à cigana:
- Você é uma mulher muito bela. Muito bela mesmo... Ela sorriu. E seu sorriso deve ter aberto um céu no meu peito. Parecendo que adivinhara minha felicidade, beijou-me os lábios, delicadamente.
Aquela mulher havia redescoberto minha alma.
Fui embora para casa, não sem antes observar uma gaivota solitária voando em direção ao infinito. Pensei que somos como aquela gaivota, sempre em busca de um destino melhor, mais forte, mais alto. Talvez caçar o destino seja nosso único destino.
Assim eu prosseguiria, porém lúcido, limpo, sem mágoas. Como se eu tivesse nascido naquela manhã -nascido do beijo da cigana.
Marcelino Rodriguez