A RAINHA DA NOITE

Ela chegou de mansinho com quem não queria nada.
Vestida de negro, desfilou pela areia branca com a elegância de uma princesa etíope.
O mar calou-se definitivamente ante a sua chegada. Os ventos silenciaram e deixaram de bolinar as copas das árvores. Até a lua crescente estancou a sua trajetória milenar para dar uma espiadinha na sua altivez, jogando sobre ela uma luz prateada.
A orquestra eletrônica de 400 watts, comprada a módicas prestações mensais, parou de tocar para que todos pudessem ouvir as suas passadas na calçada de pedras portuguesas.
Todos os dançarinos abandonaram o salão, pois sabiam que havia chegado a dona da festa.
Agitou a sua cabeleira negra e iniciou um estranho balé, onde os braços pareciam as ondulações das águas do mar. As pernas ágeis deslizavam no salão grená.
Todos quedaram-se estáticos ante a rainha da noite.
Durante a madrugada inteira, ninguém ousou interromper a sua mágica dança ou emitir palavra qualquer. Apenas a contemplavam estarrecidos de felicidade e repletos de estranhos desejos.
Diante dela, Abraxas iluminaria ainda mais os seus olhos misteriosos, Mona Lisa abriria ainda mais o seu enigmático sorriso, a Estátua da Liberdade desistiria da sua arrogância libertária e para ela olharia invejosa, Pomba-Gira compreenderia que uma força maior a impeliria à inércia.
Quando o dia amanheceu, misteriosamente, assim como chegara, abandonou o salão e mergulhou nas águas azuis do Trapió, desaparecendo no rumo da Mãe África, sem deixar vestígios ou sinais.
Como num passe de mágica, todos os presentes despertaram e restaurou-se a mesmice da normalidade.

Clóvis Campêlo

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