O vendedor de ilusões
Macambúzia no seu rodopio, os pensamentos iam. Perdidos. Na saia rodada, os retalhos da desilusão de hoje, de ontem, do amanhã.
Pessoas observam em pé, nas calçadas imundas da cidade, ela, sozinha, num silencioso balé. Com o movimento hipnótico, muitos são arrastados às profundezas. E somente ela, com a leveza d' alma de uma criança, para não sofrer com o resíduo lacerante escondido, que derrama num simples esbarrar.
Ah, como seus cabelos negros ganham vida, contrastados com o azul do dia. São tão fortes que teria de arrastá-la dali. Seria a mais feliz das criaturas se aquele bailar fosse um rito matinal. Se acordasse e tivesse seus cabelos dançando pela minha sala. Não seria preciso sofá ou coisa assim, somente uma cadeira no canto, tímida, recolhida para deixá-la brilhar.
Mas não sou dado a sortes. Meus braços não crescem com a medida do meu amor. Eles alcançam apenas as palavras emaranhadas sobre o balcão da dona Cida. Vendo ilusões, no entanto é ela quem hipnotiza. Todos os dias se põe a dançar em frente àquela vitrola dos anos 40, com sapatilha de veludo vermelha. E levita. Ninguém sabe, mas eu imagino: seu nome, seu corpo, sua herança. A casa e a família são o mundo.
Em meio ao caos suburbano, ela suspende o tempo, nos faz parar. Não sei nada. Nem vender consigo mais. Tomou as ilusões do meu balcão e as distribuiu por ai. Basta vê-la dançar e inebriar-se. É de graça.
Nunca fui dos mais controlados, a coerência não é meu forte. Dos dias em que não aparece, fica a angústia massacrando as palavras do balcão. Não penso duas vezes. Não seria mais pública. O mundo seria eu. E fui.
Vanessa Aragão