Silêncio do Sonhador
Quieto, sentia a força do silêncio: robusto, enchia a atmosfera de mudez sonora. O silêncio falava vozes inumanas. Iguais às vozes que todo tipo de gente ouve quando só de barulhos externos.
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Esse manancial de silêncio solitário rabiscava, nas trevas simples-absurdas do universo particular, um homem espelhado aqui e ali por lugares comuns. Um homem que acreditava haver centro de outra espécie de ser, talvez divina, talvez mais do que esse gozo remotíssimo já nascido morto, quando intuído: gozo-cadáver ansioso por ressurreições, por sublevações.
O que escutava? O que fluía em som-sombra? O quê? O pensar? eu queria querer pensar algo... Vinha da luz muitas nuvens sonificadas. Pluralidade de emoção transfigurada em som-silêncio. Amplos silêncios conversavam incompreensões. Eu era um detalhe-sujeito, um detalhe-sem-jeito, um detalhe acordado sob imposições dormidas. Era o mundo inteiro e estava angustiadamente finito, à voz do silêncio falante – de falar inumano. Era a soma subtraída do eterno. Paradoxo do paradoxo.
O sono que dormia não vinha... veio. O silêncio parece uma ninfomaníaca: mora nos sonhos e nele se masturba, imaginando posições lascivas e insaciáveis.
Do alto de um prédio me via, entre muitos, numa movimentada avenida de Belo Horizonte: que formigava lá embaixo. Era eu, depois outro e outro e outro. Não tinha rosto único. Tinha todos os rostos do Brasil. O homem, a mulher e a criança: eram eu: na ordem-desordem da cidade. Do triste olhar de alma sem cara, ao olhar frase-de-efeito efeito, me trejeitava sem jeito de ser gente direito.
O eu meu do alto me fazia neutro-íntimo: espécie de neutro parcial. Fixava o eu eu-lá-embaixo, entre muitos, se confundindo. Se vêem gentes desfruindo o fantasma do cotidiano de lata-de-lixo, seus quinhetos anos de história sem História, seus quinhentos anos de História sem história, seus quinhetos anos de história com História sem História... Suas vozes gosmando suas outras vozes vozes suas. Ao trabalho, sem salário, a caminho do trabalho, as pessoas vão e vêm, esbarrando letras de um mundo caduco mas que dói no cu. Um mendigo classemediano falava vagabundos com pompas de empregador ameaçado. Tudo isso o eu-do-alto via, tudo isso ele via do vidro quebrando do eu-lá-embaixo.
Passeava nas ruas: sem trabalho, a caminho do trabalho, à procura de trabalho. Angustiava nas ruas, sem ponto de chegada e de saída. Onde chegava , não chagava : perdia, encontrava, sumia. Seguia, anterior às ruas, uma mulher de beleza crescente. Seguia, seguia, seguindo, seguia : perdia, encontrava, sumia. Seguia, seguindo, seguia. Toquei-lhe e disse: “ Seguinte, você me deixa seguinte .” “O quê ?” perguntou ela. “Quis dizer que desde que te vi: segui-te.” “você é louco?”
Nesse instante, ela estava pelada e o eu-lá-embaixo se desintesava. Ela foi sumindo, sumindo, subindo: se encontrou com o eu-lá-do-alto. Este, acordando, sumiu e sumiu-a.
Não era eu, entre poucos, lá embaixo, o sonhador, já que, estando no alto, não apenas dormia, como não existia, como não vivia, como não comia de foder; já que, estando no alto, eu era um eu panorâmico, bombástico, tirânico, imperial, divino, como Deus, como Bush, como as ciências, as ciências deus meu!, como uma teceira distante pessoa, sem o eu e sem o tu; sem o facetoface, desfeito, porque perfeito, e é por isso que, quando acordei, sumindo meu desejo, sumi.
Luis Eustáquio Soares