Cheirosinho

Pelos amigos, a insígnia de “Cheirosinho”. Na cadeira descansa o paletó e num ritual de devoção à sexta-feira afoga a burocracia. Sem antes ao, no sabonete, esfolar mãos. Ora por psicose ou chacota, é indiciado entre colarinhos, gargalhadas e porção de frango assado.

— Quem foi bola da vez, semana passada, Cheirosinho? Comeu ou embrulhou? Tava de mão limpa...?

A danada tinha pouca idade, pombinha. Zebra de primeira. Filha de militar reformado, em Cheirosinho encontrou oportunidade de fuga. Meses seguintes assinam papéis e religioso. Meiguice à amada que, aproveitado os anos, não havia.

— Coração mais ama...?
— Assim num vale...

Amorzinho pra cá, beijinho pra lá. Do serviço liga de meia em meia hora para conferir se pombinha está bem. Bem ela está e fica... O vizinho do andar de cima, de baixo e do lado. O porteiro, eletricista, jardineiro...

— Mor... sinto tanta quentura...
— Dorme que passa.

Liga tv, Tom Hanks sendo julgado. Um caso de adultério mais assassinato. Com olhar carnavalesco cobiça a sanha da pombinha, igual nos seus dias de pé de valsa.

— Fico louco, mor...
— Assim que gosto, coração. Vem...Sem bater...

O furor da carne exalta. Repetisse mais vezes, a mataria.

— Não sou amante, sou marido, entende?

Os cabelos a soltar dedos. “Que porco imundo...”. Nos murros, a parede e pensamentos. “...porco imundo.” Nunca nada parecido. Alivia tensão, corpo lavando. Dois passos... Aquece o chuveiro, mas...

Num gole voraz: “Se estou sujo por fora, por dentro é que não fico”.

Uivou, no cio, como um lobo... a cuspir lavanda e recordar dos dias de quaresma.

Diego Ramires

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