E assim foi. E assim... foi-se
Ele entrou, correu os olhos por todo o bar e os fixou em mim. Lançou-me um sorriso cínico e banal e — ainda sorrindo — ocupou a cadeira vazia ao meu lado.
— Posso te pagar uma bebida?
— Não, obrigada. Eu não bebo.
— Por quê? Você tem problemas com o álcool?
Deixei a pergunta cretina sem resposta e ele, animadíssimo consigo mesmo, continuou:
— Hoje vou te fazer quebrar a rotina: você vai beber.
Mal sabia ele que dar-lhe mais do que um segundo de atenção já significava não só quebrar a rotina, mas estraçalhá-la em mil pedaços desiguais.
Por que ele não vai embora? Por que eu não vou embora?
— Eu preferia ficar sozinha, se você não se importar.
— Eu me importo.
Parei por um instante. Fazia tempo que eu não ouvia aquilo. Eu- me- im-por-to, repeti devagarinho. Se eu ainda tivesse alguma emoção para oferecer, juro que quase me comoveria.
Deixei-o ficar, mesmo sabendo que eu não estava ali. Mesmo sabendo que ele também não estava. O garçom aproximou-se de nossa mesa vazia.
— Veja: é a sua bebida.
Mal sabia ele que tantos são os que tentam matar a minha sede. E eu? Eu tenho apenas fome. Nem muita nem pouca, mas fome. Será que ninguém entende a diferença?
— Experimenta. Vai ver que é bom.
Experimentei. Amargo e seco, como tanta gente que eu conheço. Desceu queimando a garganta. Era quente. Mas não, não era bom.
— Gostou?
Balancei a cabeça em sinal de afirmação só para não decepcioná-lo. Mania infeliz de querer agradar a todo mundo.
— O que você faz aqui?
Mentalmente, fiz coro à sua pergunta: o que faço aqui, o que faço aqui, o que faço?
— Vim ver gente.
— E está satisfeita com o que vê?
Olhei para o lado e...
— Não. Mas a chuva que cai lá fora está inundando tudo, achei por bem me resguardar aqui.
— Tem medo de chuva?
— Nem sempre. Mas chuvas como a de hoje me fazem pensar que vou me molhar e nunca, nunca mais secar. Já teve essa impressão?
Claro que não. Ele não era do tipo que se permitia impressionar-se.
— Deixa de bobagem, vem comigo.
Saímos do bar e fomos para a chuva. Não havia música, mas havia a vontade de dançar. Dançamos. Ou melhor, movimentamos os nossos corpos abraçados. Acho que ele não sabia dançar. Eu sabia, mas não com ele.
Em alguma nota musical que não tocava, ele invadiu com a língua o território quente - e nada neutro - da minha boca. Foi estranho, mas ainda assim eu quis mais. Aquilo era quase bom. Melhor do que a bebida amarga e seca, certamente.
Por um instante pensei em como seria invadir com a minha marca a história daquele homem. Mas não. Eu era apenas uma desconhecida. Ele, apenas um estranho.
A música que não tocava continou a não tocar. Nós que nunca a escutamos, continuamos a não escutar. E a noite acabou.
Antes ela do que eu.
Viviane Araujo