FANTÁSTICA FESTA
Er a uma festa de aniversário. Fomos eu e ele. Entramos. Lustres de cristal da Bavária. Luzes extremamente fortes e brancas contrastavam com pontos de semi-escuridão e flashes. Desnorteante e belo.
Toalhas adamascadas de linho brancas, levemente engomadas, quase não apareciam pois repletas de pratos dourados com as mais diferentes e inusitadas iguarias.
Talheres também dourados. Velas acesas. Arranjos de flores. Muito luxo. O deslumbramento foi tomando conta de todos os convidados.
Em todos os lugares possíveis de uma sala: mesas, mesinhas, aparadores, estantes, vãos de janelas estavam distribuídos os mais estranhos doces, balas, gelatinas, os mais deliciosos que eu jamais vira ou provara.
Quantidade, diversidade, cor, odores, finura e gosto. A escrivaninha de canto, aberta, lotada de delícias, de bebidinhas, de licores. Copos de cristal de todos os tamanhos.
Os salgados feito tortinhas ou embaladinhos ou enrolados, em trouxinhas, como empadas ou punhadinhos. Crocantes, sempre quentes, saborosos sinto pistache em alguns. Nozes, codornizes com mel?
Doces nada conhecidos, estranhos, delicados, coloridos, perfumados, transparentes, gelatinosos e deliciosos. Uvas, cerejas, pedacinhos de maçã e pêssego, cajuzinhos, tâmaras...
Meu companheiro se afasta à procura de copo e mais salgados e mais doces.
A bebida oferecida. Geladinha. De todos os tipos e sabores, tomavam somente o espaço entre uma iguaria e outra. As mesas repletas!
Havia uma vontade estranha se insinuando em todos nós. Uma voracidade comandando nossos desejos.
Aumentando, aumentando... assustadoramente. Alguns já se serviam no gargalo.Não se viam salvas vazias, sempre cheias e apetitosas. Renovadas.
Os convidados passam do espanto ao delírio, se servem, provam, escolhem, pegam, repetem, tomam gosto, avançam, carregam.
Os guardanapos em concha, aos montes. Embalam. Enrolam um, dois, três, muitos, montes de doces e salgadinhos.Ora escolhem o doce, ora o salgado para tornar novamente ao doce. Os cantos da boca e os lábios cheios de pedacinhos...
Os olhos brilhantes. Primeiro o desejo, depois a gula, depois...
Os anfitriões sorrindo oferecem — por favor, experimente este — indicam, insistem... e tornam a oferecer e no meio da alegria, da confusão, da desenfreada comilança... desaparecem, somem...e não são mais vistos, assim como o aniversariante. Tudo continua.
Todos se movimentam, procuram mais, comem e comem. O buffet repleto. No canto da mesa, o pequeno licor de chocolate meio vazio, adiante um cheinho. É colocado inteiro na bolsa. Outro de anis e de amêndoas. Quatro bolinhos no bolso, várias balas, enrolados no guardanapo... Seria um cuscuz? Um voil au vent? Provam. Pegam. Levam. Nunca faltam... Sempre estão lá... Distribuídos.
Dentro de sacolinhas, empilhadas atrás da porta, em uma mesinha, são depositados vários doces melados, cheirosos, deliciosos, brilhantes. Vão ensacando. É uma confusão de mãos. Todos procuram mais, e avançam descontrolados. E mais e mais. Nos bolsos, dentro da blusa. E comem e comem...
— É isto! Claro! É para que peguemos, o que pudermos! — exclama alguém com um resquício de consciência.
Por uma mínima porta lateral, lotada, fazem fila para sair. É uma escolha. Ombro a ombro. Empurram. Esforçam-se. Suam. Semi-desmaiam. Escorregam.Homens. Mulheres, estufados, carregados, pesados.
Passa uma amiga:
— Siga-me e puxa-me por um longo corredor escuro. No fim outra sala iluminada, repleta, apetitosa, cheirosa — lá tem mais – diz — lá, na próxima sala... Eu a sigo. Seu olhar é vago.
Olho e não vejo mais meu amigo. Eu o perdi de vista. Sumiu. Torno a olhar.Perdeu-se lá atrás. A multidão me empurra. A amiga me puxa, agarra um abajur, um porta-retrato cujo rosto se esvai, e um castiçal, e faz sinal para que a siga. A comida não a satisfaz mais. Todos estão carregados, todos estão lotados. Vasos, enfeites, quadros, cristais, prata, ouro...
Procuro novamente, com grande esforço, meu companheiro. Olho para todos os lados. Nada... Não há como voltar. Todos amontoados...
Minha amiga desaparece no final do corredor. Arrasta-se. Quase não anda mais.
Lá no fim, outra sala... lugar estranho... Todos seguem juntos. Lentos. Querendo... Desejando...Esgueirando-se, entram.
A multidão desenfreada à procura de mais e mais e... pára.
Cheiro forte, humano... Um ar sinistro na sala, pegajoso, úmido, frio atinge a todos. Um silêncio...
De repente estou só, irremediavelmente sozinha, perdida, como aqueles que estão junto a mim. Um forte anseio começa a tomar conta de todos. Locupletados, perdidos, sós. O pavor já domina a maioria. Pesados. Sem fôlego. São arrastados, empurrados. Têm que prosseguir. Não há retorno.
Os dentes rangem, e só os gemidos ecoam pela grande sala que vai escurecendo.
Cármen Rocha