Coisassim

O galho verde de funcho se deixou arrancar do mato sob a pressão dos dedos de Cristiano. Liberou seu suco quando as fibras verdes romperam ao fechar dos dentes infantis. A calçada ordenou-o seguir adiante, mascando o funcho. Seus tênis de sola fina permitiam-lhe sentir as pedras do via. Atravessou a rua que não apresentava nem ruído de veículos naquela tarde modorrenta de novembro interiorano.
O portão da casa de Rafael se abriu guinchando como se fosse morcego. Se o portão fosse de duas folhas, igual a asas, já tinha partido para o topo dos prédios ou ao cume dos montes ou dos pensamentos.
A porta da casa se abriu e Rafael acenou para o amigo. Um bodoque o segurava. Correu-se pelas pedras do pátio. Cristiano também era possuído por um bodoque. Ambos foram aceitos pelo cinamomo, que lhe deu suas sementes duras. Escondidos por um largo muro, os meninos arremessaram as sementes com bodoques de encontro ao vidro dos veículos. Os automóveis troavam pela estrada de paralelepípedos, desde que os meninos decidiram começar a brincadeira.
Quem sabe, atirando sementes de cinamomo, os automóveis decidiam nunca mais granjear pelas ruas daquele bairro pacato, pensava Cristiano.
Cansaram-se de munir os bodoques de cinamomo e correram pelo pátio até a árvore de ariticum. Os frutos eram amarelos, de casca grossa, frisada como abóbora e repleta de manchas, que escondia sementes recobertas por uma massa carnuda e doce. Fartaram-se e voltaram aos bodoques e sementes de cinamomo.
Cristiano, ao acertar o terceiro Comodoro, após o lanche, subiu no muro para melhor mirar. O muro, desgostoso, auxiliou para que Cristiano se desequilibrasse e caísse sobre uma roseira que lhe recobriu de espinhos. Queria gritar, mas não conseguia, pois suas costas bateram no chão, interrompendo a voz. Rafael tentou levantá-lo, mas o sangue que recobria o acidentado o fez correr para casa, chamando pela mãe.
Cristiano levantou-se, mesmo sem conseguir falar, e começou a caminhar. Na base da roseira, havia mato e uns fiapos de funcho, que Cristiano aceitou como se fosse um pedido de desculpas pelos espinhos.
A calçada lhe facilitou o retorno para casa.

Leandro Malósi Dóro

« Voltar