PÁSSAROS

Estirada na rede à sombra da mangueira secular eu olhava o céu daquela tarde azul.
Sem manchas de nuvens, só os traços dos fios a lhe cortar.
Quebrando a estática daquele recém-pintado quadro, eles vem pousar.
Indiferentes, desconhecidos, mero acaso, no mesmo instante. Livres, incertos, errantes...
Gastam um tempo naquilo, movimentos naturais, se tocam independentemente.
Cantam... talvez conversem, quem sabe? Mas não se aproximam. Ficam assim.
A uni-los, só o fio. O fio...
Lembro de Orestes, o Barbosa, que faz dos fios pautas musicais onde as estrelas brilham uma melodia... pura poesia...
Os fios hoje são outros, espalhados, unindo as pessoas. Às vezes, por mero acaso.
Estranhos que se encontram, se conhecem, se descobrem, vivem...
Se encontram ? Sim. Como por encanto, por milagre, destino ou acaso. Acaso...
Se conhecem, por que não ? Imagens e informações são trocadas e aí já se estabelece um conhecimento. Conhecimento...
Algo que se sente, sem explicação, algo que mais parece um reconhecimento... perdidas almas, gêmeas, a se encontrar. Reencontrar. Acaso?
Descobertas: novidades infinitas, semelhanças, diferenças, acasos...
Mas não vivem.
Viver é partilhar, é estar, é ser comum. E um fio não une tanto assim. Pode haver sol em um lado e imenso frio no outro. Alegria transbordante aqui e lágrimas a escorrer além.
Viver é tocar, sentir, ouvir, pulsar. A modernidade não supre. A tela é fria. Câmeras não transmitem o calor de uma caricia. Microfones não sussurram o doce das palavras. O coração só bate, não lateja de amor...
É quando um dos pássaros se vai. Retorna ao ninho. Ele tem um a zelar...
O outro fica. Ainda se move, canta, espera... mas solitário, parte.
Um dia a maioria de nós irá se separar, diz Fernando, o Pessoa.
Nada acontece por acaso, dizem outros...
E eu fico, em minha rede nesta sombra, esperando ele voltar.
O pássaro zeloso, fiel à sua opção ou destino.
Ser livre que paira no céu como um sonho.
E eu sonho, este sonho secular...

Maria Luiza Falcão

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