SER MAGRO... A DESGRAÇA DE UM POVO OBESO

“No dia da festa de 15 anos de Bia, o clima na casa dos Azevedo não é dos melhores. A garota grita em seu quarto cada vez que alguém bate á porta tentando acalmá-la. Sua mãe chega correndo da rua cheia de pacotes e a chama:

- Bia! Bia! Veja o que achei, seu problema está resolvido, acho que salvamos sua festa.

Bia esperançosa abre a porta e deixa que a mãe entre. Carla – sua mãe – coloca todas as sacolas sobre a cama e começa a mostrar-lhe os apetrechos que achou, últimas novidades no mundo da moda para quem está fora dos padrões atuais de beleza.

- Veja minha filha: calcinha com enchimento que aumenta seu quadril de 38 para 42, não é o ideal, mas melhora muito o visual. Sutiã recheado de silicone que já te dá, logo de cara, seios número 48. Meias finas (ou melhor, grossas) que dão a impressão de transparência mas, na verdade tem uma camada de espuma que engrossa consideravelmente suas pernas. A maquiagem é mais fácil, pois podemos colocar bastante pancake em seu rosto e depois esculpir dobrinhas e furinhos. Você parecerá uma verdadeira princesa com todo o charme da obesidade dos 15 anos!

Os olhos de Bia brilham mediante a possibilidade de enfim, parecer uma garota normal. No auge da idade, aos 15 anos, ela é uma menina totalmente fora dos padrões normais de beleza. Dentro dos seus 1,70 metros estão apenas 62 quilos, peso este conseguido a custa de muita medicação e vitaminas, seu corpo mais parece com o de uma sereia das histórias de fantasia, é de dar pena. Pernas alongadas e músculos firmes que a fazem morrer de vergonha, nem ao menos uma celulite ou estria que lhe dê um charme. Quadril liso com nádegas um pouco arredondadas, mas totalmente isenta de qualquer fina camada de gordura, elas nem chegam a dar um mínimo balanço ao caminhar. A cintura é vergonhosa, chega a medir quase metade do quadril, somente com muita roupa larga é possível disfarçar. Os minúsculos seios parecem dois limões que mal se percebe dentro de sua blusa grossa e gola alta.

Para os padrões impostos pelo mundo da moda nos últimos 100 anos, é realmente uma desgraça pertencer a uma família como a de Bia, em que a avó e a mãe foram magras (glupt) e, agora a doença ataca também a neta. A magreza da família é horrível, ela fere totalmente os padrões de estética atuais.

Elas reclamam e dizem que deviam ter nascido há séculos atrás quando o bonito era ser esbelta, mas sabem que isso provavelmente jamais voltará. Com o mundo todo voltado apenas para os gordinhos, a chance delas virem a ser pessoas normais está muito longe de acontecer.

Bia, assim como todas as pessoas fora dos padrões, precisa de acompanhamento médico constante, está numa faixa de risco perigosa, sempre com anemias, pressão baixa, dores de cabeça constantes. Ela sonha com a cura da anemia, da leucemia e tantas outras doenças próprias das pessoas fora das perspectivas de lucros mundiais. Tudo que se têm feito é dirigido apenas para melhorar o nível de vida dos gordinhos. Sua mãe contou que no século passado os cientistas conseguiram curar a última doença que afligia aos fofinhos – o diabetes. Com apenas uma micro cirurgia era introduzido um “ microship ” sob a pele que controlava os níveis de açúcar no organismo. Hoje em dia essa doença não mais existe, pois todos os alimentos já possuem extratos de plantas curativas que impedem a progressão da doença. Ela dizia que os gordinhos, antigamente também tinham problemas com o colesterol, pressão sanguínea, problemas coronarianos, mas nesse mundo que só visa lucro, muito dinheiro foi investido em pesquisas e curas pelo comércio de alimentos, roupas e acessórios em geral que, precisavam e precisam manter o padrão da obesidade em alta, pois eles consomem muito mais que os magros, e o lucro é sempre certo. Em 100 anos percebeu-se um aumento na expectativa de vida, dos 55 anos para os 66 de hoje. Os magros mais uma vez só causam prejuízos ao governo, pois, em sua grande maioria, após os 40 anos, começam a apresentar sinais de doenças senis, acabam por serem um peso aos familiares que gastam o que podem e o que não podem com remédios, médicos, internações e manutenção de seus magros.

Normalmente os magros pagam planos de clínicas geriátricas durante toda a vida para poderem ter uma velhice acompanhada.

Os magros não conseguem comer em quantidade e qualidade como os gordinhos. Normalmente seus organismos têm rejeição ás comidas normais como feijoadas, tutus, lasanhas, torresmos (que, aliás, jamais falta em qualquer mesa saudável). Os ovos fritos então, para eles são como um laxante natural. Eles vivem comendo coisas como verduras e legumes, comidas essas banidas a muito tempo dos pratos de pessoas saudáveis. Pode-se ver até mesmo o absurdo de comerem carne branca por acharem que fará bem ao seu organismo.

Como os magros são minoria, as pesquisas com relação à cura da magreza ou tratamento das doenças que a eles atingem, não prosperam, poucos cientistas se dedicam a isso. Como são rejeitados em todos os lugares que freqüentam, acabam não conseguindo atingir estágios mais altos na sociedade atual. São raríssimos os que conseguem terminar o primeiro ciclo escolar. A humilhação em se sentar numa cadeira com duas vezes o seu tamanho é demais para uma criança que, às vezes, só consegue ultrapassar ilesa a primeira infância, com muita terapia e calmantes. Os que chegam até o curso superior acabam se isolando do grupo e passam os anos acadêmicos escondidos atrás de seus colegas bem dotados, de dobras que fazem qualquer um suspirar de inveja. Como o exercício foi abolido há muito tempo, os magros já se sentem diferentes. Com sua comida totalmente desnutrida precisam se exercitar para fortalecer ossos e músculos que compensam a falta de gordura que daria sustentação aos ossos, com isso emagrecem ainda mais e, enquanto os gordinhos se movimentam no campus com suas cadeiras automáticas, os magros andam com as próprias pernas queimando calorias imprescindíveis a obesidade.

Existem algumas associações de cidadãos magros que hoje reclamam seus direitos como seres humanos, dentre eles destacamos:

1- A construção de vasos sanitários em tamanhos menores para evitar o constrangimento de caírem dentro quando no ato de satisfazer suas necessidades físicas normais, o que é extremamente humilhante.

2- Que a indústria automobilística produza carros menores e ajustados ao tamanho dos magros, pois com os atuais se faz necessária uma adaptação com almofadas e encostos. Mesmo assim ainda apresentam uma enorme dificuldade em dirigir. Os poucos automóveis em tamanho pequeno que existem no mercado são de um valor exorbitante, de difícil acesso à população magra.

3- Estudos de cura de doenças provindas da magreza, em igualdade com as pesquisas da manutenção da saúde dos gordos.

4- Igualdade de tratamento em locais públicos como: escolas, teatros, cinemas, etc... Com assentos especiais para os magros.

5- Numeração correta das confecções de roupas e fabricantes de sapatos, pois, mesmo os tamanhos muito pequenos como o MPM (muito pequeno mesmo) precisam sempre de apertos e ajustes.

6- Preço acessível de alimentos para magros assim como são para os gordos, pois se compararmos a quantidade que o magro come e paga em relação aos gordos é um verdadeiro roubo que se pratica. Um chuchu (alimento muito consumido pelos magros) custa o equivalente a três quilos de torresmos já fritos - dizem que a diferença de preço é pela raridade do primeiro produto que só é cultivado em raríssimas regiões do globo.

7- Retirada da lei que obriga as crianças a comerem a merenda nutritiva e vitaminada que é servida nas escolas com o fim apenas de as viciarem no excesso de alimento, visto que em casa a educação e nutrição das mesmas são diferentes.

8- Criação da lei que permita o casamento entre pessoas magras e gordas, evitando assim as uniões clandestinas. Já ficou comprovado por cientistas que a união entre essas pessoas não causa o nascimento de filhos magros, pois os genes responsáveis pela obesidade são determinantes nessas misturas, além do que, a convivência diária com o gordo o levará a prática de costumes e alimentação engordativa.

9- Que o magro seja visto como pessoa normal e não como doente e passível de ojeriza nos locais que freqüentam.

10- Celas especiais nas cadeias e fornecimento de comida vegetariana aos presos magros.

Como podem ver parece ainda longe o dia em que os magros se sentirão inseridos em nossa sociedade uma vez que, eles próprios pedem um tratamento diferenciado. O governo estuda uma lei que autorize a implantação gratuita de silicone em seios, nádegas e coxas. Botox para aumentar e inchar o rosto, braços, mãos e cintura. Assim quem sabe os magros possam se sentir mais próximos à normalidade do mundo atual.

Até que tudo isso aconteça, nós - como observadores da vida - podemos levantar nossa bandeira de igualdade a todas as pessoas, gordas ou magras, ricas ou pobres, de todas as opções sexuais existentes para que nosso mundo seja mais humano e nossos descendentes não precisem decidir de que lado estarão, dos magros ou dos gordos!

Vera Vilela

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