Este conto começa como começam todas as estórias, ou seja, com A, B e C. Para que ela pudesse existir, foi necessário, primeiramente a essência do A, que a criou.
Mas o argumento da estória, o enredo, pode ter sido inventado por outro autor, neste caso um A, ou simplesmente o a. Entretanto, se o criador for melhor do que o narrador, este é que passará a ser a (minúsculo) enquanto que, aquele, será o A, de letra maiúscula. Portanto A é igual ao autor:
A = Autor.
A mão que escreve, ou a boca que dita, depois que a cabeça (com os olhos que "viram" oou vêem, a idéia, antes da narrativa nascer, ser concebida) torna possível a existência de B, que começa a atuar então;
B = Personagem.
A partir daí A pode estar separado de B por um abismo infinito e, devido a isso, A será diferente de B:
A ? B.
A, se situará por fora, olhando ou descrevendo apenas a ação de B, que, por sua vez, é passivo, recebendo a ação de A, possessivo, dominador, produtor do discurso.
Por isso é que A escreve e dita, manipula e conduz tudo, sem permitir que B possa interferir no texto onde atua, vive. O A, aqui, preside, dirige, maneja, guia como um ditador. A será ativo, ou positivo, enquanto que B será passivo, mas não um negativo de A.
Sempre pronto a receber a determinação de A, B é seu receptor, e, A, o transmissor. Sua função social não depende da fisiologia do outro, nem da sua filosofia ou das alterações psicológicas daquele. O seu roteiro é preestabelecido, porque ele é diferente do A. Então é livre, independente, distanciado do pai, seu criador.
Ou então, A poderá ficar por trás de B, escondido ou camuflado na pele do personagem, ou filho. Nesse caso, o criador se disfarçará, se transformará, se confundirá com a sua criatura.
Quando o autor, heroicamente toma o lugar de B, este será igual ao autor:
A = B e vice-versa, B = A ou, ainda, poderá formar a alternativa AB. Aqui, um e outro, serão a mesma coisa. Um porá o pé onde o outro deixou o sapato (ou, um calçará o sapato do outro). Será a sombra do corpo ao qual se une e com o qual se identificará. A fisiologia do seu ser será a síntese do ser anterior. Analisando mais, descobrimos que a sua característica psicológica advém da psicologia do outro; que a sua posição social vem da ação social daquele (memórias, textos autobiográficos).
Resumindo:
1º) B recebe a mensagem de A;
2º) A, através de B, faz a mensagem;
3º) ou, ainda, B recebe de A mensagens de outros autores desconhecidos ou não.
Como em todo ABC, o B vem depois do A e o C terá de, forçosamente, vir após o B. O C só aparecerá quando o A e o B já se estiverem estabelecido. Ao mesmo tempo em que A é igual, ou se iguala ao B, contrariamente C será diferente dos dois.
C ? B e C ? A.
Entretanto, C existe por B existe, e C só existirá enquanto A existir e, assim, sucessivamente. Agora, A e B dependem de C, pois as suas existências só estarão justificadas enquanto houver C, um C capaz de perder tempo com eles, se importar com eles, pois C é o leitor, pessoa que se dispõe a abrir os olhos, ver o livro e ler o texto, tomar conhecimento de B, estudar o contexto, para poder ficar conhecendo A.
C = Leitor.
Sua característica é passiva, mas pode absorver B e menosprezar A. Também pode conhecer A, através de B e... admirá-lo... e amá-lo — ou odiá-lo. Teremos então:
A ? B ? C ou A ? B ? C.
E a linguagem de A chegará a C pela fala de B; e o estilo de A será conhecido por C, pela palavra de B.
A função de C é ambígua, porque poderá tomar o partido de B e, de tal forma, não concordar com o tratamento dado por A, em prejuízo de B. Nesse caso, C se identificará com B, contra A, ficando assim:
C = B e C ? A.
Mas, também, C pode se identificar com A e fazer que a sua mão se arme com a arma de A e partir contra B.
Aí, C será diferente de B:
C ? B e C=A.
Neste caso, B será uma simples vítima, isto é, A + C ? B. Porém, no caso de A se juntar ao B, para subjugar C teremos A + B ? C. Ou, ainda, se os dois primeiros unidos (A + B formando AB) se identificarem, de tal modo, que concordem também com a forma de pensar de C, veremos, à nossa frente que, A + B = C, ou A = B = C, ou, finalmente: A + B + C = ABC (autor + personagem + público).
Dilermando Rocha