Um terrível engano
Tive sorte naquele dia, cheguei na plataforma de embarque e o ônibus já estava de saída. Entreguei rapidamente o bilhete ao motorista e fui procurar meu assento. Número 33- janela, dizia meu bilhete. Morando no interior e trabalhando na capital precisava viajar todo fim de semana.
Encontrei enfim meu assento, mas, curiosamente um homem idoso se apossou do assento de meu número, ao lado da janela. Fiquei por instantes em pé olhando fixamente para os olhos dele que se mostravam tranqüilos. Para não atrasar a partida resolvi me sentar e aguardar, afinal a viagem é longa.
Assim que o ônibus chegou a estrada me levantei e fui ajeitar minha mala de mão no bagageiro interno. Arrisquei uns olhares insatisfeitos para o velho senhor que prontamente se levantou e se ofereceu para me ajudar. Imaginei que logo após ele deixaria que eu me sentasse em minha poltrona e se acomodaria na do corredor, mas, isso não aconteceu. Rapidamente ele se sentou no mesmo lugar e eu fiquei tentando me acalmar. Arrisquei então uma pergunta:
— Qual é o número desse assento que o senhor ocupa?
— Se não me engano senhorita é o número 33 — Ele me respondeu.
Mas aquilo foi ultrajante. Então ele não se enganara, sentou deliberadamente em meu lugar.
Vejo então ele abrir uma sacolinha de supermercado que carregava e tirar de dentro um pacote de bolachas. Ele educadamente me ofereceu mas, minha vontade naquele momento era de dizer mesmo a ele — Não, obrigada, prefiro que devolva meu assento.
Ele então se dirigiu a mim e disse:
— Qual é o nome da senhora? Viaja sempre para o interior?
— Me chamo Graziela, muito prazer! Viajo sim, todas as semanas neste mesmo horário. E o senhor?
— Meu nome é Armando, estou indo visitar uma netinha que adoeceu. Minha filha mora no interior.
A conversa não teve continuidade pois, minha personalidade forte me lembrava o tempo todo da poltrona de número 33, na janela, que era minha.
O senhor Armando então adormeceu após me irritar durante algum tempo com o barulho da mastigação e logo após a limpeza em seus dentes que fez pacientemente, ora chupando o ar, ora com a língua e ora com o próprio dedo.
Meus nervos estavam à flor da pele. Tentei cochilar, mas, o barulho que meu vizinho de poltrona fazia ao respirar era muito alto, cheguei a pensar em dar-lhe um chacoalhão mas, me contive.
Após três horas consecutivas de tortura com as comilanças e ressonâncias do senhor Armando, finalmente chegamos em nossa primeira parada. Levantei-me rapidamente já planejando voltar antes do senhor Armando e sentar-me confortavelmente, finalmente, em meu assento.
Fui até a lanchonete e esperei que ele saísse. Assim que isso aconteceu, corri para dentro do ônibus, sentei-me no assento de número 33, respirei profundamente, aliviada. Recostei a cabeça na janela e mesmo antes de o ônibus partir já estava dormindo. Ainda faltavam mais de 4 horas de viagem.
Ouvi alguém me chamando, parecia sonho:
— Dona Graziela, dona Graziela, por favor!
— Sim... Hein? Ahh! Senhor Armando! Pois não!
— A senhora poderia me dar esse encosto de cabeça, eu o uso por causa de dores na coluna?
— Claro! Me perdoe senhor Armando. Nem percebi e encostei a cabeça nele.
Minha vontade era mesmo de torcer o pescoço dele. Me fez perder três horas de sono ocupando meu lugar e depois ainda me acordava por causa de uma porcaria de encosto de cabeça?
A viagem prosseguiu calmamente, só que depois de tudo eu me sentia como uma rainha em seu trono, era só o senhor começar a roncar eu dava uma cotovelada , ouvia um "uh" e dormia novamente.
O senhor Armando continuou com sua comilança, mas, por duas vezes eu lhe perguntei se podia comer em pé porque estava cansada e precisava de umas horas de sono. Ele me atendeu nas duas vezes sem reclamar. Afinal, depois de estragar 3 horas de minha viagem, era o mínimo que podia fazer por mim.
Horas depois eu senti que o ônibus havia parado. O motorista avisou a todos a chegada. Esperei que o senhor Armando se levantasse e, ele gentilmente se despediu de mim que, com muita má vontade arrisquei um sorriso. Levantei-me, peguei minha bagagem e desembarquei.
Estranhei muito meu irmão não estar ainda na rodoviária me esperando.
Resolvi então olhar o relógio. Eram 7:30 horas da manhã. Estranhei também o horário e me dirigi a uma pessoa que estava ali aguardando:
— Senhora, que horas são?
— Agora são 7:32 horas.
— Poxa vida! O meu ônibus esta semana chegou mais cedo.
— Não chegou não. A senhora chega sempre no mesmo ônibus que meu filho, às 7:45 horas.
— Mas, não era este? — Eu perguntei já muito sem graça.
— Não. Este é o ônibus extra por causa do feriado prolongado.
Eu gelei naquele momento e resolvi olhar meu bilhete.
Plataforma de embarque - 27
Horário de chegada - 07:45h
Poltrona - 33
Meu Deus! Que injustiça. Chamei o motorista que já ia entrando no ônibus para levá-lo para a garagem.
— Senhor, conhece aquela pessoa que viajou ao meu lado?
— Conheço sim. É um homem muito doente, me contou quando eu o interpelei na primeira parada, afinal ele comprou duas passagens para viajar deitado, mas, a senhora ocupou um dos lugares. Ocorre que ele me pediu que não a incomodasse porque a senhora parecia estar com problemas.
A partir daquele dia aprendi a não julgar as pessoas sem antes saber exatamente de quem se trata e tento sempre olhar pelo seu ponto de vista antes de olhar pelo meu.
Vera Vilela