...e minha Tia inventou o Desfile de Carnaval!

Estou chegando do cemitério onde fui deixar para descansar minha Tia querida e, uma vez que ela não está mais aqui, resolvi abrir a caixinha de mistério que ela me fez guardar, revelando o maior de todos, trancado a sete chaves, um pedaço de serpentina rosa e uns confetinhos desbotados!

Do alto dos seus 100 anos, minha Tia sempre teve uma vida regrada e absolutamente séria dentro dos mais tradicionais padrões mineiros de conduta.
Solteiríssima, passou grande parte da vida costurando paramentos para os padres da paróquia de Botafogo, aqui no Rio; pintando porcelana e distribuindo alegria, amizade e benesses entre seus inúmeros sobrinhos, afilhados e parentes, distantes ou não.

Por conta da pintura, desde cedo ela viu em mim alguém com quem trocar idéias, falar sobre pincéis e tintas, técnicas e proporções. Foi minha mestra em quase tudo referente às artes; foi minha admiradora e fornecedora, de materiais e sugestões. Com a mão firme, me ensinando, mostrando e analisando, mostrou meu caminho nas artes, a despeito das críticas de meu pai (vai ser engenheiro, meu filho!), me incutiu o respeito aos grandes mestres, abriu as portas para a liberdade de criação sem o medo do “que os outros vão dizer”, e, principalmente me deu a coragem de encarar a tela em branco.

Pois foi que então, já sem ela, posso enfim contar a todos o tal segredo, que uma vez me contou com sua voz miúda, como quem confia seus pecados a um padre no confessionário:

O ano era 1907, início do século passado, meu avô, pai dela, era o secretário do sogro - meu bisavô - então Presidente da República, o quinto presidente de um país recém saído de um império turbulento, numa sociedade machista, cheia de não me toques quanto à mudanças. As mulheres, os pobres e os analfabetos não votavam; tanto que meu bisavô foi eleito com pouco mais de 200 mil votos! Minha Tia, então com quase um ano de vida, ia no carro presidencial com sua mãe, irmãos e tias. Estavam todos indo para um prédio na Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), de onde iam apreciar os blocos e a brincadeira de um carnaval ainda ingênuo.
O motorista corria a fabulosos 25 Km/h quando minha Tia pôs-se a chorar ensurdecendo a todos. O carro parou e minha avó decidiu que era melhor voltar para levar a criança para casa. Meia volta e minha Tia começou a sorrir, gargalhar. O carro deu mais um giro e voltou ao seu percurso inicial. O choro começou de novo, mais uma volta, mais sorrisos, outra virada e as pessoas dentro do carro começaram a cantar, transformando aquilo numa brincadeira.
Lá pela 5ª vez que se virava, um carro que passava começou a fazer a mesma coisa e mais um e outro mais, até que a avenida ficou tomada de carros sem capota indo para cima e para baixo, uns atrás dos outros, com as pessoas cantando, dançando, alegres e felizes, atirando serpentinas e confetes, limões-de-cheiro e farinha.
Estava criado o corso! que virou desfile e virou o desfile de Escolas de Samba de hoje em dia.
Tudo por culpa dela!
Isso, contado pela minha doce Tia, com um sorriso maroto e a bochecha ruborizada, era seu maior segredo!
Evoé Momo!

JP Veiga

Enviado por Flávia Côrtes

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